É preciso desacelerar o trânsito nas cidades brasileiras – e rápido. Esta é uma questão de saúde pública, já que sinistros de trânsito estão entre as principais causas de morte em todo o mundo. E uma questão de qualidade de vida e equidade, já que cidades que reduzem efetivamente as velocidades dos veículos tornam-se mais seguras, acolhedoras e vibrantes para todas as pessoas.

Apesar de exemplos positivos em muitos países, a primeira Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU terminou sem que o mundo atingisse a meta de reduzir em 50% as mortes e lesões no trânsito. Nova década, nova tentativa, mesma meta: desta vez, temos até 2030 para cortar à metade o número de vidas perdidas nas ruas e estradas do planeta.

Sabemos que erros humanos eventuais são inevitáveis, mas mortes e lesões graves no trânsito não o são. Cidades precisam seguir bons exemplos, como o de Fortaleza, que salvou muitas vidas e atingiu a meta da ONU por meio de uma abordagem proativa de sistema seguro.

Conheça, a seguir, algumas abordagens e conceitos que têm sido implementados no Brasil e no mundo para promover a segurança viária e espaços públicos de qualidade.

1. Redução de velocidades

A velocidade é o principal fator de risco para mortes e lesões decorrentes de sinistros de trânsito. Em países de renda média e baixa, as velocidades veiculares são o principal fator em quase metade dos sinistros. Por isso, a Segunda Década de Ação pela Segurança Viária da ONU recomenda o limite de até 30 km/h para a maioria das vias urbanas. Várias cidades e países já começaram a colocar a recomendação em prática.

A redução tem benefícios comprovados para a segurança viária. Reduzir em 5% as velocidades médias de uma via pode resultar em uma redução de até 30% nas fatalidades. Além disso, velocidades mais baixas significam menos emissões de carbono e poluição do ar e sonora, o que contribui para o bem-estar das pessoas, a qualidade do ambiente urbano e para atingir os compromissos de mitigação climática.

<p>Figura 2 - O risco de um pedestre ou ciclista morrer em uma colisão aumenta conforme a velocidade do veículo</p>

2. Áreas de trânsito calmo e ruas completas

O desenho das vias tem grande impacto nas velocidades praticadas pelos motoristas. Uma das maneiras mais efetivas de reduzir velocidades é a combinação de limites mais baixos com medidas de moderação do tráfego, como lombadas, travessias elevadas, extensões de calçada e ajustes nos raios de curvatura das esquinas. O Guia para Áreas de Trânsito Calmo do WRI traz orientações de como implementar áreas de trânsito calmo em diferentes contextos – de ruas de uso misto e alta densidade a ruas residenciais e áreas escolares.

Uma abordagem semelhante com vários exemplos implementados no Brasil são as ruas completas – intervenções que redistribuem o espaço das ruas protegendo os usuários mais vulneráveis. Em comum, além da segurança viária, essas intervenções ajudam a criar espaços públicos seguros, estimular a permanência e convivência entre as pessoas, o comércio e a economia.

3. Prioridade para a primeira infância

A cidade deve ser um espaço seguro para as crianças brincarem, explorarem e se desenvolverem. Sobretudo em cidades médias e grandes, isso tem se perdido. A promoção do trânsito seguro e de espaços públicos de qualidade com foco na primeira infância é importante porque as idades de 0 a 6 anos formam a principal fase de desenvolvimento das crianças. E espaços mais acolhedores para crianças são melhores para todos.


<p>crianças pintam amarelinha em praça</p>

Praças qualificadas com foco na infância na Zona Leste de São Paulo (foto: Leu Britto-Monomito Filmes/WRI Brasil)


No projeto Territórios Educadores, da prefeitura de São Paulo, o WRI Brasil apoiou intervenções para qualificar duas praças em territórios vulneráveis na Zona Leste da cidade, uma no Jardim Santo André, outra no Jardim Lapena. As intervenções melhoraram a qualidade do território e oferecem uma alternativa para o lazer e o desenvolvimento de crianças que antes não dispunham de locais adequados para brincar em segurança próximo de casa.

4. Ciclovias de qualidade

Carros a altas velocidades e a falta de infraestrutura adequada são barreiras à bicicleta nas cidades. Por outro lado, ciclovias bem projetadas promovem o aumento do uso da bicicleta e atraem novos ciclistas. É o que mostra a experiência de Buenos Aires, que em 2020 iniciou a expansão de sua rede de ciclovias, antes restrita a ruas secundárias, para importantes avenidas. Um ano após a implementação de ciclovias nas avenidas Córdoba e Corrientes, quadruplicou o número de ciclistas mulheres nessas avenidas.

A pandemia levou muitas cidades a acelerar a implementação de ciclovias. É fundamental que estas infraestruturas sigam parâmetros adequados. Um guia do WRI dá orientações para a implementação de ciclovias seguras em diferentes contextos – mesmo para ciclovias pop-up e emergenciais.

5. Intervenções rápidas para semear mudança

De parklets a ruas completas, muitas intervenções que tornam as ruas mais seguras e acolhedoras podem ser feitas de forma piloto, rápida e relativamente barata. Além dos benefícios diretos, essas ações são estratégicas para sair da inércia. Com benefícios imediatos, pequenas intervenções sensibilizam a comunidade ao permitir que as pessoas experimentem as ruas de uma nova forma e podem ser o primeiro passo para mudanças mais abrangentes.

Um caminho para intervenções rápidas é o urbanismo tático. Por utilizar materiais de baixo custo e rápida implementação – como pintura, tachões e balizadores –, o urbanismo tático permite testar os impactos das intervenções na segurança viária e na percepção dos usuários da via. É uma oportunidade de envolver a população desde a concepção até a implementação dos projetos, aumentando o engajamento local, a apropriação e o sentimento de pertencimento das comunidades.

6. Auditorias e inspeções de segurança viária

A abordagem de sistemas seguros requer do poder público postura proativa, e não apenas reativa. Isso inclui a revisão sistemática de projetos e vias para garantir as melhores condições de segurança viária para todos os usuários das vias – em especial, os mais vulneráveis. Auditorias e inspeções de segurança viária ajudam a identificar os pontos com mais problemas potenciais (como interseções com alta sinistralidade) e fornecem subsídios para as intervenções mais efetivas e adequadas ao contexto. O WRI, em parceria com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), tem capacitado cidades no Brasil e na Argentina. Ações do tipo são cruciais para que cidades estejam capacitadas a realizar as inspeções e auditorias com base nas melhores práticas para segurança no trânsito.


<p>auditoria de segurança viária</p>

Auditorias permitem identificar potenciais problemas em projetos (foto: Mariana Gil/WRI Brasil)

7. Planejamento de longo prazo e políticas robustas

A gestão eficaz da segurança viária baseada em uma abordagem de sistemas seguros traz desafios porque demanda investimentos de diferentes áreas do governo e o envolvimento da sociedade civil e do setor privado. Planos de segurança viária são uma ferramenta fundamental para ordenar as prioridades de gestão e definir as estratégias a serem implementadas, além de identificar as áreas responsáveis e os atores envolvidos em cada ação.

Cidades e países têm avançado em planos que incorporam a abordagem de sistemas seguros e estão alinhados aos objetivos da ONU de reduzir à metade as mortes e sinistros graves de trânsito até 2030. É o caso do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), revisado por meio de processos participativos com especialistas e consultas públicas. Buenos Aires tem dado bons exemplos: lançou seu Segundo Plano de Segurança Viária em 2020 e agora desenvolve um plano de gestão de velocidades. O Rio de Janeiro também tem avançado na elaboração de um plano alinhado à agenda global.

8. Redes para catalisar mudança

Até alguns anos atrás, referências para embasar ações como as descritas aqui vinham de contextos distantes, como a Europa e Estados Unidos. Essa realidade vem mudando, e cidades brasileiras e latino-americanas têm despontado como líderes na segurança viária. Por meio a Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global (BIGRS), cidades como Fortaleza, São Paulo e Buenos Aires têm dado ótimos exemplos para a região.

A disseminação de bons exemplos tem potencial multiplicador. Foi assim com as ruas completas que se espalharam por cidades como Porto Alegre, Campinas, São José dos Campos e Recife. E tem sido assim com a rede Ruas Completas SP. Composta por 20 cidades paulistas, a rede tem fomentado trocas de experiência e de conhecimento para acelerar a execução de projetos e planos que melhorem a segurança, conforto e saúde dentro das cidades. A estrutura em rede ajuda a dar escala a projetos dentro da rede e fora dela, dado que as referências existentes são mais próximas do nosso contexto e encorajam outras cidades a implementarem intervenções semelhantes.

Trânsito seguro, cidades melhores

Além do objetivo maior de salvar vidas e proteger todas as pessoas, as medidas acima têm o potencial de melhorar a qualidade do ar, estimular o comércio e tornar as cidades mais acolhedoras. O trânsito violento afasta as pessoas do convívio e da permanência que o espaço urbano proporciona. Medidas que acalmem o tráfego, qualifiquem os espaços públicos e a infraestrutura de mobilidade, por outro lado, podem resgatar a cidade como lugar do encontro, do acesso a oportunidades e da catalisação de mudanças.


<p>zona 30 em Bruxelas</p>

Bruxelas é uma das cidades que têm adotado limites de 30 km/h na maioria das vias (foto: Alain Rouiller)


A incorporação dessas abordagens de forma estratégica pode ajudar as cidades brasileiras a reduzirem à metade as mortes e lesões graves no trânsito até 2030. Mas não há transformação sem coragem para mudar. De intervenções rápidas a mudanças de paradigma no planejamento de longo prazo, não faltam bons exemplos e motivos para agir já.