7 aprendizados para combater a poluição do ar nas grandes cidades
As dificuldades para combater a poluição do ar nas grandes cidades são variadas e significativas – mas também o são os benefícios que podemos ter se usarmos soluções inovadoras, que olhem ao mesmo tempo para questões técnicas, científicas e políticas.
Um desses desafios é encontrar soluções específicas para realidades muito diferentes de cada cidade ou região. Em geral, as causas, impactos e potenciais soluções para a poluição do ar são específicas em cada local. No entanto, é comum que as soluções desenvolvidas muitas vezes adotem abordagens de caráter mais global, desagregadas geograficamente e menos conectadas. Outro desafio frequente é de esfera política: reduzir a poluição do ar em uma cidade ou região é um trabalho de anos ou mesmo décadas, o que exige vontade política em escala local e nacional capaz de transcender mandatos e partidos. Por fim, muitas vezes esbarra-se ainda na dificuldade de coordenação e comunicação entre os atores envolvidos, uma vez que se trata de um desafio multidisciplinar, envolvendo áreas diferentes como saúde pública, mobilidade urbana, planejamento urbano, mas também comunicação, análises de dados, legislação, governança, entre outras.
Como ultrapassar esses obstáculos? Não podemos falar em solução, mas em soluções, no plural.
Melhorar a qualidade do ar requer um trabalho conjunto, que envolva diversos setores como academia, institutos de pesquisa, setores público e privado, além de organizações da sociedade civil. Por isso, a equipe global do WRI e a iniciativa OpenAQ reuniram no ano passado, em Washington, representantes desses grupos para debater os desafios relativos à qualidade do ar em diversas partes do mundo. Participaram do debate especialistas da África do Sul, Bélgica, China, Colômbia, Croácia, Estados Unidos, Hungria, Índia, Indonésia, Israel e Mongólia. Dessa conversa, surgiram sete principais aprendizados e caminhos de ação.
1. A ação pela qualidade do ar requer coordenação efetiva entre os diversos atores que atuam em diferentes escalas e campos científicos, políticos e jurídicos
A multidisciplinaridade característica da temática de qualidade do ar é uma oportunidade para a criação de soluções inovadoras e abrangentes, mas também impõe o desafio da articulação entre grupos muito diversos. Estabelecer essa conexão de forma efetiva e organizada é essencial para que os diferentes atores possam aprender uns com os outros e com as experiências bem-sucedidas de outros países. Na Mongólia, por exemplo, acredita-se que a falta de informação sobre a relação entre a poluição do ar e seus impactos na saúde contribua para reforçar o problema. Na experiência de Israel, a aplicação de dados de qualidade do ar em escala municipal permitiu que especialistas apontassem a qualidade do ar como um indicador de injustiça ambiental – os dados indicavam que o ar era melhor em áreas distantes dos terminais de transporte e de zonas industriais. Esse tipo de análise só foi possível graças a um trabalho de políticas integradas, dados abertos e uma abordagem social da poluição.
Ações possíveis: estabelecer redes multidisciplinares, com expertise de diversos setores, para potencializar o trabalho pela qualidade do ar. Desenvolver canais robustos de comunicação e uma abordagem analítica capaz de avaliar fontes, impactos e soluções também é essencial.
2. Atores da sociedade civil estão usando diversas estratégias de transparência e prestação de contas para identificar falhas em políticas de qualidade do ar
Neste tópico, os exemplos vêm de diversas partes do mundo. Na China, o uso de dados públicos e das redes sociais ajuda a conscientizar a população e a pressionar o governo. Artistas na Mongólia lançam mão de manifestações para chamar a atenção da população para a gravidade do problema. Na Índia, o compartilhamento de dados de qualidade do ar em tempo real e o uso de técnicas de monitoramento cidadão potencializam a gestão da qualidade do ar. E na Colômbia e no México redes e coalizões unindo atores em escala local, regional e nacional apoiam a elaboração e a implementação de planos de gestão da qualidade do ar.
Ações possíveis: exemplos como esses mostram, de um lado, a necessidade de adaptar estratégias aos contextos regulatório, judiciário e político específicos de cada país e, de outro, a importância de mapear a comunidade que atua no campo da qualidade do ar, a fim de trocar conhecimento e aprimorar estratégias e soluções. Essa troca mais profunda ajudará os especialistas em qualidade do ar a compartilhar e adaptar estratégias bem-sucedidas em diferentes países e contextos.
3. Consequências não previstas e ações incompletas revelam a necessidade de integrar metas de qualidade do ar no planejamento e na elaboração de políticas
Na Índia, onde a queima de carvão é uma fonte significativa de poluição do ar, o foco do combate à poluição em cidades maiores, como Nova Délhi, resultou em propostas para mudar a localização das usinas para cidades menores – ou seja, apenas transferindo o problema para outros locais. Na Mongólia, um projeto bem-sucedido conseguiu reduzir a poluição do ar na cidade de Ulaanbaatar em 15%, substituindo os fogões a carvão de mais de 120 mil famílias. O sucesso, porém, não se manteve, já que não foi acompanhado por ações de capacitação e educação da população sobre como utilizar os novos fornos e seus impactos na saúde.
Ações possíveis: casos como esses ressaltam a importância da ação integrada entre diversos setores. Os processos regulatórios relativos à qualidade do ar são complexos e exigem ação conjunta e integrada, tanto no planejamento das ações e estratégias de combate quanto na implementação de políticas. Dessa forma, é possível identificar possíveis conflitos com antecedência e traçar ações preventivas.
Melhorar a qualidade do ar exige trabalho conjunto entre diversos atores e setores (Foto: Raymond Clarke/Flickr)
4. Políticas e regulações mal implementadas impedem a redução da poluição do ar
Seja devido à falta de vontade política, de recursos financeiros, de uma articulação efetiva entre os atores envolvidos ou de um corpo técnico capacitado para atuar no problema, muitos países enfrentam a dificuldade de desenvolver e implementar políticas de forma eficaz. O mesmo se dá em relação ao reforço e fiscalização das normas já existentes.
Ações possíveis: os obstáculos na implementação de novas políticas ou na manutenção das já existentes é um indicativo da necessidade de investir em governança e capacitação. Garantir que as regulações de qualidade do ar sejam postas em prática exige um ambiente favorável, o uso de prazos e mecanismos adequados e a incorporação de estratégias para aumentar a capacidade interna de implementação das políticas.
5. Estratégias de comunicação são cruciais para engajar os diferentes atores necessários
A tradução de dados e termos técnicos em informações que possam ser compreendidas e usadas pelo público não-técnico, sejam jornalistas, autoridades locais ou mesmo cidadãos interessados no assunto, é fundamental para avançar no combate à poluição do ar. A comunicação tem um papel central para garantir que vozes marginalizadas não sejam desconsideradas no processo e, ao mesmo tempo, para alinhar mensagens e disseminar conhecimento. Não restringir o acesso à informação e dados de qualidade do ar às pessoas com acesso à internet ou smartphones é essencial para a conscientização da população como um todo.
Ações possíveis: envolver profissionais de comunicação para entender como levar informações complexas a diferentes públicos, criar métodos para compatibilizar dados entre diferentes setores e países e trabalhar coletivamente para desenvolver uma linguagem comum de qualidade do ar. É preciso investir tempo e recursos para alinhar os diversos grupos envolvidos em torno de uma visão comum.
6. No caminho para a mudança, precisamos de melhores dados sobre qualidade do ar e fontes de poluição
O acesso a dados confiáveis, atualizados e compreensíveis ainda é um desafio significativo, especialmente nos níveis municipal e subnacional. No caso da Mongólia, a falta de dados dos hospitais sobre pacientes com asma ou mortes atribuíveis à qualidade do ar impediu que pesquisadores desenvolvessem indicadores para conhecer a real dimensão do problema. Já na Colômbia, as autoridades governamentais não reconhecem os dados provenientes dos sensores de baixo custo ou de outros métodos de coleta feita pelos cidadãos, criando uma lacuna significativa de informação e uma barreira para a ação.
Ações possíveis: os dados de qualidade do ar podem ser aplicados de várias formas e com diversos fins, seja para fiscalizar, monitorar, compartilhar conhecimento ou conscientizar. Por isso é tão importante garantir que sejam públicos, disponíveis e de fácil acesso à população. É preciso criar modelos que garantam que sensores, identificação de fontes de poluição e inovações no uso dos dados possam ser adaptados para lidar com as barreiras técnicas, institucionais e políticas em diferentes escalas e geografias. Os dados podem ser incorporados e disponibilizados em plataformas de dados abertos e sistemas de monitoramento. Um exemplo de ponto de partida seria a criação de um comitê consultivo para avaliar e recomendar os formatos pra coleta, disponibilização e monitoramento dos dados.
7. Soluções capazes de ultrapassar as barreiras políticas são fundamentais
A falta de vontade política ainda é um desafio crítico em muitos países. O engajamento das lideranças é importante não apenas para vencer barreiras políticas. A atuação dessas autoridades ajuda a destravar uma série de ações fundamentais, como identificação das fontes de poluição, disponibilização dos dados, monitoramento da qualidade do ar, elaboração e implementação de planos de ação, reforço e fiscalização das leis e regulações, entre outros.
Ações possíveis: os especialistas podem desenvolver novas abordagens que mudem o discurso político e ajudem a promover ações conjuntas entre diferentes setores e regiões. Para superar as barreiras políticas, é preciso desenvolver novas pesquisas e análises econômicas que vão além das recomendações para melhorar as leis e regulações existentes e ajudem a superar os fatores que causam a falta de ação e a evasão de responsabilidades.