Antes uma ideia emergente, o conceito de atingir o zero líquido (net zero) de emissões é hoje um mecanismo reconhecido para países, cidades e empresas orientarem suas reduções de emissões e limitarem os efeitos das mudanças climáticas.

Dois anos atrás, havia apenas algumas empresas comprometidas a zerar as emissões líquidas até a metade do século ou antes. Desde então, houve uma onda de empresas de diversos setores que adotaram metas de zero líquido e estão elaborando estratégias para atingi-las.

Os compromissos com emissões líquidas zero agora envolvem um quinto das maiores corporações mundiais e 68% do PIB global, em comparação a apenas 16% em 2019.

É essencial que as empresas estabeleçam metas de zero líquido e que todos estejam confiantes sobre como elas serão atingidas. Devido à falta de uma abordagem padronizada, empresas têm elaborado estratégias com pouca transparência quanto ao escopo e a abrangência das metas e os planos para alcançá-las.

Esse cenário tem gerado ceticismo a respeito das metas corporativas e a preocupação de que sejam apenas greenwashing (uma maquiagem verde). As críticas se dão especialmente pela preocupação de que as metas sejam altamente dependentes de compensações de carbono, em vez de partirem de ações rápidas por parte das empresas para descarbonizar suas cadeias de valor, pelas quais são responsáveis e sobre as quais exercem mais influência. Projetos de compensação de carbono normalmente geram um crédito de gás de efeito estufa (GEE), referente a uma unidade de dióxido de carbono que é reduzida, evitada ou sequestrada. E as empresas costumam usar investimentos em compensações – como construção de parques eólicos, plantio de árvores e projetos de eficiência energética – para afirmarem que são climaticamente neutras, neutras em carbono ou positivas para o clima.

As metas corporativas de emissões líquidas zero podem ser uma ferramenta poderosa para diminuir as emissões e enfrentar a crise climática – mas apenas com a implementação de garantias adequadas. A seguir, conheça três abordagens que empresas podem seguir para demonstrar que suas metas de zero líquido são confiáveis e vão contribuir para acelerar a ação climática.

1. Curto prazo: metas baseadas na ciência

As empresas podem fazer isso se comprometendo com ações ambiciosas de curto prazo, estabelecendo metas de 5 a 10 anos baseadas na ciência, definidas de acordo com a escala de reduções necessárias para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Metas de curto prazo baseadas na ciência colocam as empresas em uma trajetória para o zero líquido sem que dependam de compensações ou outros tipos de créditos de carbono. Essas metas dão às empresas clareza sobre o quanto precisam reduzir as emissões de GEE em sua cadeia de valor (escopos 1, 2 e 3), o quão rápido precisam agir e, para garantir a credibilidade, são mais popularmente validadas por meio da iniciativa Science Based Targets (SBTi), uma plataforma global que viabiliza a ação das empresas pelas mudanças climáticas.

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Painéis solares em Portugal. Empresas podem fazer a transição para fontes renováveis, gerando reduções de emissões significativas e essenciais para um mundo de zero emissões líquidas. (Foto: Mariana Proença/Unsplash)

O GHG Protocol categoriza as emissões de gases de efeito estufa das empresas em três escopos – escopo 1, cobrindo emissões diretas de fontes próprias ou controladas pela empresa; escopo 2, referente a emissões indiretas a partir da geração de eletricidade, vapor, aquecimento e resfriamento adquiridos e consumidos pela empresa; e escopo 3, incluindo todas as outras emissões ao longo da cadeia de valor da empresa.

Ações de curto prazo que as empresas podem adotar para reduzir as emissões e atingir suas metas baseadas na ciência incluem investir em tecnologias como frotas de veículos elétricos, estabelecer políticas de viagens sustentáveis e substituir o consumo e a produção de combustíveis fósseis por fontes de energia renovável como solar e eólica ou usar biocombustíveis sustentáveis. Essas ações podem gerar reduções significativas e imediatas, essenciais para um mundo de emissões líquidas zero.

2. Longo prazo: metas de zero líquido baseadas na ciência

O zero líquido para empresas e corporações é definido pela SBTi como reduzir as emissões de escopo 1, 2 e 3 para zero – ou para um nível residual consistente com a meta de zero líquido –, em nível global ou setorial, com trajetórias alinhadas ao limite de 1,5°C, e neutralizar quaisquer emissões residuais no ano da meta e quaisquer outras emissões lançadas na atmosfera a partir de então.

Uma pesquisa de especialistas em clima da Agência Internacional de Energia (IEA) sugere que, para atingir o zero líquido, muitas empresas podem, e devem, reduzir suas emissões de CO2 entre 90% e 95% até 2050 ou antes, deixando os 5% ou 10% restantes que não puderem ser eliminados para que sejam neutralizados por remoções de carbono.

As empresas não devem se considerar “zero líquido” até que tenham se descarbonizado totalmente ou alcançado um estado de emissões residuais e equilibrado essas emissões não abatidas com remoções de alta qualidade. Exemplos de opções de remoção para empresas que precisam equilibrar suas emissões residuais incluem créditos de carbono pela restauração e melhor manejo florestal, bem como pela captura direta do ar e armazenamento de carbono.

3. Corte de emissões para além da cadeia de valor

Há uma necessidade urgente de ampliar o financiamento de curto prazo para soluções baseadas na natureza (SBN) e tecnologias emergentes de remoção de carbono a fim de aumentar a probabilidade de que a comunidade global permaneça dentro de um orçamento de carbono consistente com o limite de 1,5°C. As empresas têm um papel importante na oferta do financiamento necessário para essas soluções.

No entanto, se quisermos atingir o zero líquido globalmente, esses investimentos não podem substituir ou adiar cortes profundos nas emissões das cadeias de valor das empresas.

Exemplos de ações de mitigação que vão além da cadeia de valor ou investimentos em projetos relacionados incluem (mas não estão limitados a) silvicultura, conservação, eficiência energética, destruição de metano e tecnologias de remoção de dióxido de carbono em estágio inicial.

Embora já exista um número considerável de empresas definindo metas de curto prazo baseadas na ciência e um número crescente definindo metas de longo prazo, as empresas precisarão assumir a responsabilidade de financiar atividades adicionais de mitigação fora de suas cadeias de valor. Investidores, clientes, funcionários e outros atores estratégicos da sociedade civil precisam gerar uma expectativa de que as empresas assumam a responsabilidade e compensem suas emissões históricas e as que não forem abatidas no caminho rumo ao zero líquido, investindo em medidas de mitigação para além de suas cadeias de valor.

Responsabilidade e credibilidade são fundamentais

Em última análise, as empresas precisam se concentrar em colocar a própria casa em ordem primeiro, estabelecendo metas baseadas na ciência de curto e longo prazo para avançar em direção ao zero líquido. Investimentos em compensação só devem ser levados em conta quando a empresa já estiver em um caminho de redução de emissões cientificamente embasado ao longo de sua cadeia de valor. As partes interessadas têm motivo para se mostrarem céticas em relação às metas de zero líquido que não seguem essa estrutura.

Para permitir metas realistas, como mencionado anteriormente, a iniciativa Science Based Targets desenvolveu um padrão de validação de metas de zero líquido. Esse padrão oferece critérios claros para assegurar metas robustas e é resultado de um extenso processo de engajamento entre a comunidade científica, empresas e a sociedade civil. O padrão define ambições de curto e longo prazos para reduzir as emissões e as condições em que o uso de compensações é adequado.

Reduzir rapidamente as emissões de dióxido de carbono ainda nesta década e alcançar o zero líquido das emissões até meados do século é essencial para enfrentar a ameaça das mudanças no clima – e cada país, setor e indústria tem um papel importante a desempenhar. Precisamos de todas as ferramentas disponíveis para superar a crise climática, incluindo metas corporativas de zero líquido confiáveis ​​e robustas.

Nota: A partir de julho de 2022, a SBTi validará apenas metas alinhadas ao limite de 1,5°C.


Artigo publicado originalmente no WRI Insights.