A Amazônia como catalisadora da nova economia brasileira
Na COP28, cujo texto final incorporou a proposta para obrigar os países a reverterem o desmatamento e degradação de florestas até 2030, o jargão “Brazil is back” foi colocado em prática e ganhou os contornos das complexidades existentes no país.
Os dados de redução do desmatamento da Amazônia, divulgados logo antes da conferência, foram vastamente repetidos por lá, assim como a correção da meta climática. “O Brasil está disposto a liderar pelo exemplo. Ajustamos nossas metas climáticas, que são hoje mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos. Reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia e vamos zerá-lo até 2030. Formulamos um plano de transformação ecológica para promover a industrialização verde, a agricultura de baixo carbono e a bioeconomia (...). É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, afirmou o presidente Lula em seu discurso de abertura na conferência.
Durante a conferência, o WRI Brasil promoveu o lançamento internacional do estudo Nova Economia da Amazônia (NEA-BR), que aponta que o Brasil precisa não apenas assegurar desmatamento zero na Amazônia, mas também dobrar sua meta de restauração para 24 milhões de hectares, acelerar a promoção da agricultura de baixo carbono e fomentar a transição energética da região.
No evento Amazônia como Catalisadora da Nova Economia, os achados do NEA-BR foram discutidos em um painel moderado pela diretora executiva do WRI Brasil, Cristiane Fontes, com a participação de Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior do WRI Brasil, e Braulina Baniwa, diretora executiva da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), ambos autores do estudo. Além deles, estiveram presentes alguns dos tomadores de decisão mais importantes para tornar essa agenda uma realidade: Carina Pimenta, secretária nacional de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente (MMA), André Lima, secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA, e Nabil Kadri, superintendente de Meio Ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Financiamento para tirar a transição do papel
O financiamento é um dos principais desafios para fomentar uma economia de baixo carbono na Amazônia. Para que isso aconteça, o relatório NEA-BR aponta que precisamos de investimentos adicionais da ordem de R$ 2,56 trilhões até 2050. O BNDES será, sem dúvida, um dos principais promotores desta transição.
Durante o painel, Nabil Kadri elencou quais têm sido as prioridades para a transição da economia na Amazônia, como a exclusão do desmatamento ilegal e o trabalho com os governos estaduais da região.
“Os investimentos não podem aceitar desmatamento ilegal. Incorporamos o uso do MapBiomas para todo financiamento do BNDES para atividades relacionadas ao uso do território ou produção agrícola. Todos são cancelados quando é detectado descumprimento ao Código Florestal. O BNDES voltou a operar com governos estaduais. Nos últimos cinco anos, o banco não estava financiando estados e municípios. Só neste ano, já aprovamos mais de R$ 20 bilhões de financiamento para esses entes subnacionais”, afirmou o Nabil.
Além disso, destacou que a iniciativa privada também precisa fazer parte do fomento a investimentos verdes na região. “Isso também estava paralisado, mas neste ano recebemos e aprovamos propostas na região com o dobro do valor do que foi aprovado em outros anos, como 2021 e 2022.” Por fim, citou a retomada do Fundo Amazônia, que acaba de celebrar 15 anos e para o qual foram anunciados durante a COP28 novos aportes dos governos do Reino Unido, de R$ 215 milhões, e da Noruega, de quase R$ 250 milhões.
Com os investimentos necessários, a Amazônia pode capitanear a transição econômica do país. “A Amazônia esteve sempre a serviço da economia brasileira, fornecendo produtos com baixíssimo valor agregado. Mas pode ser a catalisadora de uma nova economia, pois nenhum lugar do mundo poderia captar mais investimentos verdes do que a Amazônia. Mudando a economia da Amazônia, poderíamos mudar a de todo o Brasil”, analisou Rafael Feltran-Barbieri.
Ordenamento territorial e combate às ilegalidades
Segundo André Lima, não há nova economia, que seja sustentável, se não houver combate a clandestinidades e ilegalidades, pois nem a economia regular se estabelece onde a irregularidade reina. “Tem esse elemento fundamental, que é básico: o combate à ilegalidade. Não é apenas combater a impunidade, mas garantir condições mínimas de concorrência para uma economia regular”, explicou.
Quando questionado sobre os desafios de lidar com a questão do ordenamento territorial e regularização fundiária no país, comentou que essa é uma corrida contra o tempo. “Nas próximas décadas, vamos ter que fazer o que não fizemos em 50 anos de ocupação da Amazônia. São 100 milhões de hectares de terras públicas federais e estaduais na região, das quais 63 milhões são florestas públicas ou áreas com floresta. Destas, 31 milhões de hectares são de florestas federais que temos como meta encaminhar para destinação até 2027. É muita terra. Espalhadas por toda a Amazônia. Neste primeiro ano nós encaminhamos para destinação algo em torno de 15 milhões.”
André destacou ainda que é preciso uma coordenação em três frentes principais: o combate ao desmatamento e às ilegalidades, o ordenamento territorial e a criação de mecanismos financeiros de incentivo a ações ambientalmente positivas.
Incentivos à bioeconomia em múltiplas frentes
Além de ter sido definida como um dos eixos do Plano de Transição Ecológica, a bioeconomia terá uma política nacional própria, que está em elaboração. A NEA-BR, a partir de métodos inovadores de coletas e análise de dados, demonstrou já existir, ainda que com pouco apoio, uma pujante economia da floresta e dos seus povos. De acordo com 13 produtos da bioeconomia que foram possíveis analisar, o PIB atual da bioeconomia é de cerca de R$ 12 bilhões ao ano e poderia chegar a pelo menos R$ 38,5 bilhões anuais em 2050.
Cristiane Fontes questionou Carina sobre o papel dos dados sobre bioeconomia, ainda bastante escassos no país, para a formulação e monitoramento de políticas públicas. “Esse estudo (NEA-BR) fez um esforço tão importante de juntar elementos das cadeias da bioeconomia para começarmos a enxergar (o que estava invisível), e complementa outros estudos que têm olhado para esses recortes na Amazônia, mas precisamos engrandecer. Vamos precisar inovar muito na coleta de dados na Amazônia”, afirmou a secretária nacional de Bioeconomia, antecipando que um dos eixos estratégicos da nova política será a construção de um sistema de dados, conhecimentos e informações sobre bioeconomia.
“Temos que aprender e se nutrir com esses instrumentos novos (para monitorar a economia), mas temos que debater como trazer para o nível oficial, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (IPEA) e outros centros de pesquisa para construir elementos mais fundantes”, afirmou Carina.
A bioeconomia passará a aparecer de forma mais transversal entre os ministérios, de acordo com Carina, que adiantou que o “uso sustentável da biodiversidade” também será uma das forças-tarefa que o Brasil irá propor durante a presidência temporária do G20.
Transição na Amazônia deve ter as pessoas no centro
A transição econômica na Amazônia só terá sucesso se for justa, gerando múltiplos benefícios para a população local e comunidades tradicionais e reduzindo as enormes desigualdades na região.
Quando convidada a falar sobre bioeconomia a partir da perspectiva indígena, Braulina destacou a necessidade emergencial de fortalecer as mulheres indígenas, que são as guardiãs de conhecimento.
“Quando falamos de produtos indígenas, estamos falando de conhecimento milenar. O que está no meu braço, o grafismo, é uma ciência nossa. Precisa ser valorizada e fortalecida por nós, inicialmente, para então se pensar em como colocar isso também no mercado. Muito se fala em produtos da Amazônia, mas as mulheres são as guardiãs que protegem esse produto para que continue aparecendo no mercado internacional”, defendeu Braulina Baniwa.
Agendas preocupantes
Em Dubai, diversos ministérios e órgãos anunciaram novas iniciativas que, se bem implementadas, farão parte da transformação da trajetória de desenvolvimento que a Amazônia e o Brasil tanto precisam. Como exemplos, o Arco da Restauração, programa lançado pelo BNDES em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que contará com financiamento de R$ 1 bilhão para restaurar áreas degradadas na floresta amazônica até 2030; o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, para a recuperação e conversão de até 40 milhões de hectares de pastagens degradadas de baixa produtividade no país em 10 anos; ou o compromisso com a inclusão dos sistemas alimentares na meta climática.
Por outro lado, o ingresso do Brasil na Opep+, o leilão de 603 blocos para exploração de petróleo e gás natural, alguns deles em áreas sensíveis e ameaçando áreas protegidas, e os impasses em relação à demarcação dos territórios indígenas colocam o Brasil na contramão do líder climático global que ele apresenta ao mundo.