Em vez de ser amarelo, ele tem a casca verde. Sua polpa tem sabor diferente, um pouco mais doce e suave, mas também com um pouco mais de acidez. Mas ele não deixa de ser um maracujá. Na verdade, trata-se do maracujá da caatinga, uma fruta nativa do Nordeste brasileiro. Nas mãos de produtoras rurais de Pintadas, cidade no interior da Bahia, o maracujá da caatinga pode se tornar um importante elemento de restauração de paisagens, adaptação à seca e melhoria de qualidade de vida da população local, especialmente de mulheres. Além de ser um ótimo ingrediente para um refrescante suco.

O maracujá da caatinga é uma das frutas que a fábrica Delícias do Jacuípe, administrada pela Cooperativa Ser do Sertão, tem capacidade de processar para transformar em polpa para suco. A história da cooperativa já foi destaque no WRI Brasil. Ela reúne empreendedorismo feminino, incentivo para restauração florestal e conhecimento tradicional da população. Em resumo, a fábrica compra de produtores rurais da região, principalmente mulheres, frutas nativas da Caatinga. Isso estimula produtores a plantar e conservar árvores nativas, criando desta forma um mercado para que produtores e produtoras possam restaurar a paisagem com árvores frutíferas.

<p>Maracujá da caatinga (foto: Fernanda Birolo/Embrapa)</p>

Maracujá da caatinga (foto: Fernanda Birolo/Embrapa)


O processo funciona bem para uma série de frutas. Mas até então a fábrica não tinha iniciado a produção de maracujá da caatinga. Essa realidade começou a mudar quando autoridades do governo da Bahia, por meio da Secretaria do Meio Ambiente, visitaram a Ser do Sertão em maio. “Eles visitaram as instalações da fábrica e ficaram impressionados com o maracujá – era uma fruta que eles não conheciam”, relembra Valdirene Santos Oliveira, presidente da Cooperativa. Na visita, eles constataram que um dos gargalos que impediam a comercialização da polpa era relacionado às embalagens, simples de se resolver. Um acordo de cooperação assinado entre a cooperativa Ser do Sertão e o governo da Bahia em 5 de junho, dia do meio ambiente, abriu caminho para a produção do delicioso suco.

A expectativa da cooperativa é que o acordo e a comercialização possam fazer para o maracujá da caatinga o mesmo que aconteceu com o umbu, outra fruta nativa da região. Antes da fábrica Delícias do Jacuípe, o umbu não era visto como uma espécie de valor comercial na região de Pintadas, Bahia. Hoje, a polpa de suco de umbu é comercializada e inclusive utilizada na merenda servida às crianças nas escolas locais.

<p>Fábrica de polpa de frutas em Pintadas</p>

As mulheres da fábrica Delícias do Jacuípe trabalham na produção de polpa de fruta de acerola. Agora, a fábrica também poderá processar o maracujá da caatinga (foto: Luiz Fernando Ricci/WRI Brasil)

Conservação e adaptação à seca

Por que a produção de polpa de suco de maracujá da caatinga é importante? Antigamente, o maracujazeiro era visto por toda região de Pintadas. Mas nunca foi considerada uma espécie de valor econômico. O resultado é que, aos poucos, as árvores foram desaparecendo, dando lugar a pasto ou outras culturas.

Porém, essa espécie tem um grande valor para o semiárido – e pode ser ainda mais necessária com as previsões de aumento das médias de temperatura no Nordeste. O maracujá da caatinga é extremamente bem adaptado ao clima quente e seco do sertão, e o maracujazeiro consegue sobreviver mesmo em solos secos, argilosos ou arenosos, segundo a Embrapa. Considerando que a fruta é uma importante fonte de Vitamina C e outros elementos, fica claro o quanto ela pode ser necessária para a adaptação às mudanças climáticas.

Segundo Valdirene, ainda há áreas com maracujazeiros em Pintadas e em municípios vizinhos, como Mundo Novo ou Baixa Grande. Geralmente, a árvore aparece em áreas de mata bem conservadas. Ou seja, ao comprar o fruto, a cooperativa incentiva os produtores locais a manter essas áreas preservadas para gerar renda, usando a área apenas para colheita do fruto. Nas regiões que não têm mata conservada, a compra do maracujá estimulará a restauração. “Antes ninguém plantava o maracujá da caatinga. Agora estão plantando. Estamos incentivando as cooperadas a fazer o plantio”, conta Valdirene.

Mulheres à frente da restauração

A Cooperativa Ser do Sertão é parceira do WRI Brasil em um projeto para incentivar a restauração florestal em Pintadas e adaptar a região para as mudanças climáticas. Além de todo o trabalho desenvolvido para incentivar a restauração, chama a atenção o protagonismo e o empreendedorismo das mulheres. Isso pode ser notado pela atenção que vem recebendo inclusive de organizações que fomentam investimentos de impacto social para estimular modelos de negócios que ajudem comunidades com potencial de desenvolvimento. A fábrica Delícias do Jacuípe é administrada exclusivamente por mulheres, e o mercado de compra de frutas para a fábrica gera renda principalmente para mulheres no campo, já que a colheita de frutas é atividade pouco usual para homens na região. Com geração de renda e igualdade, o maracujá da caatinga pode ajudar a transformar a restauração florestal em um negócio lucrativo e saboroso.