O desenho urbano pode aproximar ou afastar as pessoas da cidade onde vivem. Ruas desenhadas para comportar velocidades mais baixas tornam o ambiente mais seguro e mais convidativo para que mais gente circule. Em contrapartida, áreas planejadas para os automóveis tendem a criar locais hostis para os pedestres e inibir a sua presença. A qualificação do desenho urbano, portanto, é uma forma de garantir que todos possam circular em segurança no lugar onde moram. É o que São Miguel, em São Paulo, busca com o projeto “São Miguel mais Humana”.

Fernando Haddad, prefeito de São Paulo (Foto: WRI Brasil)

O bairro recebeu uma das 11 Áreas 40 já implantadas em São Paulo e será o primeiro a receber medidas que permitirão uma convivência mais harmoniosa entre motoristas, pedestres e ciclistas, como ampliações de calçadas, travessias mais seguras e mais espaço para pessoas. “Vamos implementar desde pequenas mudanças até intervenções de maior porte, como o redesenho das vias, para criar o que chamamos de cidades caminháveis. Esse processo melhora os deslocamentos a pé e, ao priorizar as pessoas, devolve a elas o espaço das ruas, seu direito de circular e se sentir bem em sua cidade”, destacou o Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

O projeto de redesenho das vias em São Miguel é uma parceria entre a prefeitura da cidade, a Iniciativa para a Segurança Viária Global da Bloomberg Philanthropies, o WRI Brasil Cidades Sustentáveis, o ITDP Brasil e a Nacto. A implantação das mudanças será dividida em fases e, para que as alterações previstas sejam bem recebidas e bem-sucedidas, o apoio e a participação da comunidade local são fundamentais. Por isso, ao longo desta quinta-feira (2), o bairro recebeu especialistas e técnicos da prefeitura para conhecer e debater as mudanças pelas quais o bairro passará nos próximos meses. Cerca de 450 pessoas, entre representantes de associações locais e moradores da região, participaram das atividades, que incluíram apresentações sobre a importância de um desenho viário seguro e o impacto dessas medidas na qualidade de vida das pessoas.

Adalberto Dias de Souza, subprefeito de São Miguel, é conhecido na comunidade como Tim Maia. Ao dar as boas-vindas ao público, ele enfatizou a necessidade de se pensar no ambiente urbano como o que define a qualidade de vida: “Nós precisamos discutir o meio urbano e requalificá-lo, colocar em prática mudanças que melhorem a vida das pessoas. O projeto começa hoje – para que no futuro as coisas estejam melhor do que estão hoje. São Miguel será mais humana a partir de agora”.

Em São Miguel, está localizada a Marechal Tito, a avenida mais letal para pedestres em São Paulo. A implantação da Área 40 na região reverterá esse cenário, reduzindo o número de acidentes a partir de intervenções estruturais nos pontos mais críticos do bairro. Ciro Biderman, Diretor de Inovação da SP Negócios, apresentou as principais alterações urbanísticas previstas para São Miguel. O grande destaque do projeto, ele ressalta, é o fato de que nenhuma cidade na América Latina até hoje implementou uma proposta semelhante em uma região tão extensa como São Miguel, que possui uma área contígua de 500 mil metros quadrados: “Essas mudanças não são novas no mundo, diversas cidades já estão fazendo isso com bons resultados. Mas não nessa escala. Em São Miguel, não falamos de apenas um cruzamento. Com esse projeto, vamos mudar a dinâmica de um bairro inteiro, localizado a 24 quilômetros do centro da cidade. Será uma intervenção única”.

As calçadas, atualmente estreitas e muitas vezes obstruídas por diferentes obstáculos, e a requalificação do ambiente para os pedestres estão entre os aspectos mais importantes. A partir de intervenções de pequeno porte, como sinalização específica e pinturas, e outras maiores, como a revitalização de praças locais, o projeto busca contribuir para uma mudança de comportamento no bairro: “É preciso implementar intervenções que façam com que os motoristas entendam que essa é uma área diferenciada, com intenso fluxo de pessoas, e que respeitem esse local, em uma convivência harmoniosa. O que o projeto fará é essencial: devolver o espaço das ruas aos pedestres”, avalia Ciro.

<p>São Miguel</p>

Conflitos entre veículos motorizados e pedestres em São Miguel (Foto: WRI Brasil)

Desenho seguro, cidades melhores

São Miguel passará por alterações estruturais que modificarão o desenho de suas ruas a fim de qualificar o ambiente para os pedestres e garantir a segurança para as pessoas que circulam pelo local. Além da redução do limite de velocidade, a área deve receber alargamentos de calçadas, pinturas nas vias e sinalização específica, entre outras medidas. Uma vez que mudanças como essas têm impacto significativo no dia a dia da população local, as pessoas precisam compreender como tais alterações beneficiarão seu bairro. Janette Sadik-Khan, cientista política e ex-Secretária de Transportes de Nova Tork, participou do evento e falou sobre a experiência na cidade estadunidense cujas ruas viram e viveram os resultados positivos de mudanças desse tipo.

Em 2007, na gestão do prefeito Michael Bloomberg, Janette assumiu a Secretaria de Transportes de Nova York e, nos seis anos que permaneceu no cargo, liderou projetos que mudaram a lógica de deslocamento, dando prioridade a pedestres e ciclistas, com soluções rápidas e baratas. Em São Paulo, desde que assumiu a prefeitura, Fernando Haddad tem posto em prática mudanças também significativas, como a implantação de ciclovias, a criação de faixas exclusivas para os ônibus e de Áreas 40 e a redução dos limites de velocidade em diversas vias da cidade. Sob a mediação de Natália Garcia, jornalista idealizadora do projeto Cidades para Pessoas, os dois especialistas protagonizaram um debate em que analisaram como intervenções de desenho urbano têm o poder de revolucionar as cidades.

O redesenho das vias envolve mudanças em diferentes escalas, mas cujo objetivo é o mesmo: a requalificação urbana para as pessoas: “São alterações que, na medida em que são sendo implantadas, mudam o modo como vemos a cidade e, consequentemente, o modo como vivemos na cidade. Nós trabalhamos para implementar as medidas e estruturas necessárias para fazer com que as pessoas se apropriem do ambiente urbano e passem a usufruir a cidade em sua plenitude”, avalia Haddad.

Janette ressaltou o trabalho que vem sendo realizado na cidade de São Paulo. Na visão da autora estadunidense, as intervenções no desenho das vias são o melhor caminho para mudar o padrão de comportamento nas cidades: “É por meio do desenho urbano que as mudanças devem ser feitas – porque é mudando o modo como as ruas são pensadas e desenhadas que mudamos o modo como as pessoas utilizam essas vias”.

<p>Janette falou sobre a experiência de Nova York e enfatizou que as mudanças podem ser replicadas</p>

Janette falou sobre a experiência de Nova York e enfatizou que as mudanças podem ser replicadas (Foto: WRI Brasil)

Lotado, o auditório da escola Dom Pedro I acompanhou a discussão, que apontou os principais benefícios das intervenções de desenho seguro. A partir de alterações de desenho em infraestruturas já existentes é possível evitar acidentes, salvar vidas e criar um ambiente urbano e viário mais seguro para todos os usuários. Além disso, ao oferecer as condições necessárias para a circulação segura de pedestres e ciclistas, as modificações no desenho viário também estimulam a opção por modos de deslocamento mais sustentáveis, como caminhada e bicicleta.

<p>Cerca de 450 pessoas acompanharam a apresentação do projeto de requalificação de São Miguel e o debate entre Janette Sadik-Khan e Fernando Haddad</p>

Cerca de 450 pessoas acompanharam a apresentação do projeto de requalificação de São Miguel e o debate entre Janette Sadik-Khan e Fernando Haddad (Foto: WRI Brasil)

São Paulo é uma das dez cidades do mundo selecionadas pela Bloomberg Philanthropies para fazer parte de sua Iniciativa para a Segurança Viária Global. O projeto de São Miguel, que conta com o apoio técnico do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, faz parte das mudanças que estão sendo implementadas dentro dessa iniciativa e que devem transformar a dinâmica do bairro para melhor.

“Essa não é uma batalha que nós podemos vencer”, considera Janette. Para a especialista, “essa é uma batalha que vamos vencer. Porque quando você muda o desenho de uma rua, você não está apenas mudando uma rua, você está mudando a vida das pessoas”. Com as alterações previstas, São Miguel deve se tornar um bairro mais seguro, atrativo e humano. Limites de velocidade mais baixos, calçadas mais amplas e espaços públicos de qualidade devem contribuir para uma mudança esperada pela comunidade. Isso porque, conforme afirmou Haddad, “uma vez que você começa a mudar, é difícil ou impossível voltar atrás, porque as pessoas entendem e veem os benefícios dessas mudanças”.