A pergunta do título desta reportagem não pode ser respondida de forma simples: não há solução única para um problema que afeta diferentes cidades, cada uma com uma intensidade e um diagnóstico. A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) estimou, no ano passado, uma queda de cerca de três milhões de passageiros por dia. O desafio não é exclusividade do Brasil. Nos Estados Unidos, ocorre a mesma coisa, com um motivo em comum: as pessoas estão dirigindo cada vez mais.

A perda de passageiros traz outros problemas, como o financiamento da operação de transporte coletivo nas cidades. De onde poderia vir uma arrecadação extra capaz de cobrir o aumento nos custos diante da perda de demanda? Quais as alternativas? Isso precisa ser resolvido sem abrir mão da qualidade do serviço, uma demanda crônica dos usuários, nem aumentar as tarifas, também responsáveis por tornar o transporte coletivo proibitivo para alguns. De fato, essa equação é complexa. Aproveitamos um workshop realizado em Belo Horizonte durante o mês de março para perguntar para alguns especialistas qual a razão para estarmos enfrentando essa situação e como sair dela. O resultado você confere no vídeo e nas respostas abaixo:

 

André Dantas

André Dantas, diretor técnico da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU):

“A principal razão para a queda de demanda dos usuários do transporte público no Brasil é a redução na atividade econômica, que gerou um grande número de desempregados – cerca de 20 milhões de pessoas estão fora do mercado de trabalho. Isso tem contribuído significativamente para a situação que observamos. Para melhorar a situação e reverter essa tendência de queda, é preciso investir maciçamente na priorização do transporte público. É preciso também criar fundos setoriais especificamente dedicados a cobrir parte dos custos. Não é possível mais que o usuário cumpra com esses custos”.

 

Celio Bouzada

Celio Bouzada, presidente da BHTRANS:

“A redução da demanda de passageiros do transporte público ocorre como em outros setores da economia. Em momentos de recessão, com alto índice de desemprego, os setores comerciais estão experimentando uma retração muito grande. No setor de transporte é mais grave porque o setor de transporte público é essencial na vida das pessoas. Mas, se não tem renda, não tem emprego, as pessoas não andam de ônibus.

O setor de transportes, para recuperar passageiros, além de uma recuperação da economia, precisa se modernizar empresarialmente, adotar algumas práticas que valorizem a qualidade do serviço, práticas de política tarifária, bilhetes semanais, bilhetes mensais, tarifas fora pico.

No setor de transporte, a qualidade sempre vem acompanhada de aumento de custos. Infelizmente, a gente não consegue, no nosso setor, ter mais qualidade a um custo menor. Então, ao falar de mais qualidade, onde o usuário paga por essa qualidade, estamos falando em aumentar o valor da tarifa. Aumentar a qualidade é necessário, mas também precisamos aumentar a eficiência do sistema. Nós temos que colocar faixas exclusivas, corredores exclusivos, formas de pagamento pré-pago, tudo isso visando dar mais eficiência, fazer com que o custo do quilômetro seja menor e transferir essa economia para a qualidade do serviço. Aí nós vamos ter uma relação ganha-ganha, eu ganho na eficiência e na qualidade. Em um sistema convencional, com os ônibus rodando no meio do congestionamento, querer dar qualidade, com certeza, é também aumentar a tarifa. E nós temos que entender que grande parte dos nossos usuários são sensíveis à tarifa. Se o preço for maior, ele vai deixar de usar por absoluta falta de capacidade de pagamento”.

 

Jorge Dias

Jorge Dias, presidente do Consórcio Operacional BRT Rio:

Essa queda, que já vem ocorrendo há algum tempo, se agravou nos últimos dois anos, mais precisamente em 2016, mas ela vem já há alguns anos em função de incentivos ao transporte individual, das políticas do governo federal para a expansão do transporte individual. Nos últimos anos, a economia vem passando por dificuldades, houve um aumento muito expressivo do desemprego, que impactou o transporte em geral. Isso no Brasil todo, em diferentes escalas, mas a nível nacional.

Já vemos a economia começando a reverter, mas precisamos aproveitar esse momento para repensar o que queremos do transporte coletivo. É necessário ver a regulamentação, como ela anda. Algumas cidades não levam essa política de forma tão rígida como deveria ser. Precisamos privilegiar o transporte coletivo, principalmente nas grandes cidades, isso é fundamental até para a mobilidade das cidades, e buscar de alguma forma um financiamento da operação, porque os custos têm aumentado e está sendo praticamente impossível ao passageiro ser o único financiador dessa operação.

O transporte público não vem sendo visto com a prioridade, a importância que ele merea. A mobilidade das cidades depende de um bom transporte coletivo, então ele precisa ser parte das grandes discussões”.

 

Taciana Ferreira

Taciana Ferreira, presidente da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU):

“A queda de demanda que vem sendo observada nos últimos tempos nos sistemas de transporte coletivo das principais capitais brasileiras é um fato muito vinculado à crise econômica do país. É importante a gente estar alerta, não só o poder público, mas também os operadores do sistema, para que as ações sejam para a reversão dessa situação, sobretudo com relação à melhoria do sistema de transporte público. A questão financeira, que está diretamente relacionada à queda dessa receita é um fato, mas é importante ter um olhar também em relação à qualidade. O investimento que foi feito nas principais capitais nos sistemas BRT foi fundamental para alavancar a qualidade do sistema, mas isso por si só não está sendo suficiente para manter o mesmo nível de demanda. É preciso que, cada vez mais, a gente faça uma política de desincentivar o uso do automóvel, de busca de financiamento para o transporte público, seja através de subsídios, taxas ou impostos, mas que seja um financiamento com uma vinculação direta com a melhoria do transporte coletivo. Acredito que, assim, com esforços não só do poder público, mas da inciativa privada, a gente possa melhorar a qualidade do nosso transporte público e reverter esse quadro nas principais cidades brasileiras. Além de reconquistar a demanda, é preciso torná-la satisfeita com o serviço que estamos prestando.

É importante envolver todos os atores, não só os operadores e o poder público, que é o grande responsável pelo planejamento estratégico do sistema, mas também o usuário, que utiliza esse serviço. É importante colocar na mesa para discussão todos esses atores para a busca de uma solução global. Não será uma solução única, mas uma soma de ações potenciais que sejam pontuais ou globais e que somadas poderão reverter esse cenário.

 

Daniel Marx

Daniel Marx, chefe de gabinete da presidência da BHTRANS:

A demanda de passageiros no transporte por ônibus vem caindo nos últimos 20 anos [em Belo Horizonte]. De 1995 a 2005, houve uma queda muito significativa, de quase 30%, na época principalmente decorrente do transporte informal, que fazia um papel de predador do transporte convencional. A parti daí, houve um crescimento discreto, e em 2011 e 2012, um aumento maior pela melhora na economia. A partir de 2013, a demanda vem caindo ano a ano em torno de 8%. As análises que a gente faz mostram que o principal motivo é a quantidade de veículos na rua, que tem reduzido muito a velocidade do transporte por ônibus, daí as pessoas buscam alternativas, e além disso o próprio custo da tarifa. As pessoas buscam modos [de transporte] alternativos e competitivos, por exemplo a motocicleta, para suprir as suas necessidades.

A principal solução que a equipe técnica [da BHTRANS] avalia é garantir o espaço público para o transporte público. O transporte público transporta 70% da demanda, então nada mais justo do que deixar os lugares específicos, as faixas exclusivas, com as quais já temos experiência em vários lugares do Brasil. Com isso, a gente consegue transformar um transporte coletivo com a velocidade de 9km/h a 10km/h em um transporte de 20km/h a 25km/h com investimento relativamente baixo”.