Este post foi publicado originalmente no WRI Insights.


No distrito de Narmada, na Índia – uma paisagem verdejante de rios, florestas e campos –, aldeias receberam em 2009 o reconhecimento formal e legal do seu direito à terra e aos recursos. Isso ocorreu após uma longa campanha envolvendo várias representações junto às autoridades do governo local, incluindo manifestações não-violentas. O reconhecimento oficial de seus direitos permitiu que as comunidades rurais pudessem proteger e restaurar florestas ancestrais, das quais dependem para sobreviver e que anteriormente estavam em risco em função de projetos de infraestruturas e de uma gestão não sustentável.

Embora os habitantes rurais e as comunidades tribais da Índia em geral morem em suas terras há gerações, essas pessoas costumam manter as terras apenas por tradição, e não por lei. A situação começou a mudar em 2007 com a promulgação da Lei de Reconhecimento dos Direitos Florestais da Índia, uma das várias leis que buscam respeitar os direitos e os meios de subsistência dos povos indígenas e da floresta.

A maioria das comunidades rurais do distrito de Narmada vivem em uma paisagem de mosaico, caracterizada por grandes áreas de floresta intercaladas com aldeias e lotes de terras agrícolas. A segurança de saber que agora são os donos das terras significa que essas comunidades têm um incentivo para protegê-las e melhorá-las para o futuro. Os moradores podem investir em ações como nivelar, aterrar e irrigar terras agrícolas para aumentar a produtividade. Algumas aldeias também estão adotando medidas para evitar o desmatamento ilegal e incêndios florestais, patrulhando a floresta e intermediando acordos comunitários para gerenciar as queimadas. As comunidades podem, por exemplo, limpar pequenas faixas de espaço aberto dentro das florestas antes do início da temporada de incêndios do verão, a fim de impedir que as queimadas engulam áreas muito maiores.

<p>Mulheres da vila de Sankdi, no distrito de Narmada (Índia), trabalham no campo da vila sob administração comunitária (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)</p>

Mulheres da vila de Sankdi, no distrito de Narmada (Índia), trabalham no campo da vila sob administração comunitária (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)

Ao proteger as florestas tropicais, não se esqueça de seus habitantes

As florestas – especialmente as tropicais e mais antigas, das quais muitas comunidades indígenas dependem para viver – são uma linha de defesa essencial na crise climática. No entanto, o mundo perdeu uma área equivalente ao tamanho da Bélgica dessas florestas. Embora governos, empresas e meios de comunicação se preocupem com o desmatamento tropical, o que muitos esquecem é que, com frequência, não estamos falando de áreas selvagens desabitadas. Garantir direitos legais para as comunidades florestais e povos indígenas e investir em seus meios de subsistência é essencial para conservar e restaurar florestas.

Um novo relatório da Food and Land Use Coalition (FOLU) – Growing Better: Ten Critical Transitions to Transform Food and Land Use (em português, “Crescendo melhor: dez transições críticas para transformar a alimentação e o uso da terra) – traça um caminho para um futuro melhor e mais justo para a população rural. A pesquisa mostra que garantir os direitos e os meios de subsistência das comunidades florestais e dos povos indígenas é um pré-requisito fundamental. Três estudos de caso dos países parceiros da Coalizão, incluindo o caso do distrito indiano de Narmada mencionado anteriormente, ilustram a importância de proteger e garantir os direitos das pessoas à sua terra.

Esse é um desafio urgente: 80% da população em condição de pobreza extrema no mundo vive em áreas rurais, muitas vezes sem infraestrutura adequada ou acesso equitativo à terra e aos recursos naturais. Em todo o planeta, metade das terras são mantidas de forma comunitária pelos povos indígenas e por outras comunidades rurais (em torno de 2,5 bilhões de pessoas). No entanto, legalmente esses grupos possuem apenas 10% das terras. Os líderes indígenas que tentam proteger suas terras estão sob ameaça em todo o mundo; 164 defensores ambientais foram mortos em 2018 por gangues armadas e criminosos associados a interesses diversos, incluindo indústrias extrativas. As comunidades florestais e indígenas, assim como os agricultores e outros habitantes do meio rural, trabalham para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, sustentar seus meios de subsistência e garantir um futuro mais próspero para si e suas famílias.

Invista em meios de subsistência sustentáveis para comunidades rurais e indígenas

<p>Agricultores de Kalimantan Ocidental, na Indonésia, embalam e pesam nozes ilíacas secas ao sol como parte de um empreendimento social que conserva florestas e gera renda para as comunidades locais (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)</p>

Agricultores de Kalimantan Ocidental, na Indonésia, embalam e pesam nozes ilíacas secas ao sol como parte de um empreendimento social que conserva florestas e gera renda para as comunidades locais (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)

Para aqueles que vivem perto ou mesmo dentro das florestas tropicais remanescentes no mundo, é essencial garantir meios de subsistência economicamente viáveis e sustentáveis que ofereçam alternativas ao desmatamento. Nas florestas biodiversas de Kalimantan, no Bornéu indonésio, uma empresa social fundada recentemente, a Forest Wise, vende manteiga de noz selvagem para mercados em Jacarta e no exterior. As nozes selvagens de cacho (altamente valorizadas por suas propriedades nutricionais) são colhidas da árvore Shorea Stenoptera, ameaçada de extinção, que cresce apenas nas florestas de Bornéu. A renda gerada pelas nozes permite que as comunidades locais invistam na restauração e no manejo sustentável de suas terras, usando técnicas como a agrofloresta, um modelo de restauração que integra árvores e agricultura.

Uma história semelhante pode ser encontrada em Urabá – um estado de plantação de banana, fazendas de gado, florestas biodiversas e populações indígenas e afro-colombianas –, localizado no noroeste da Colômbia, na fronteira com o Panamá. Membros da comunidade Emberá, em Chigorodó, assim como das Reservas Indígenas de Yaberaradó e Polines, estão trabalhando para proteger as florestas e garantir sua subsistência por meio de práticas tradicionais. Essas comunidades usam diversas plantas das florestas com fins medicinais, artísticos e artesanais. A criação de mercados locais para esses produtos permite que as comunidades protejam seus direitos e consolidem sua presença na terra em um momento de grande pressão sobre os povos indígenas da Colômbia.

<p>Dois membros da comunidade indígena Emberá, na Colômbia, caminham pela floresta tropical. A comunidade trabalha para preservar suas tradições e desenvolver meios de subsistência sustentáveis (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)</p>

Dois membros da comunidade indígena Emberá, na Colômbia, caminham pela floresta tropical. A comunidade trabalha para preservar suas tradições e desenvolver meios de subsistência sustentáveis (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)

Comunidades da floresta na agenda global

Essas comunidades têm aliados internacionais. As soluções baseadas na natureza, a resiliência climática e a transformação no uso da terra e na maneira como produzimos alimentos estão ganhando cada vez mais atenção dos líderes globais. A Cúpula de Ação Climática da ONU foi uma oportunidade para governos, líderes empresariais, sociedade civil, agricultores e comunidades indígenas se mobilizarem por uma agenda ambiciosa de transformação que pode trazer benefícios para todos.

Assegurar o direito à terra e aos meios de subsistência sustentáveis para comunidades indígenas e rurais está no centro desse esforço. A “nova economia de alimentos e uso da terra” descrita no novo relatório da Coalizão consiste no respeito pelos direitos das pessoas que vivem na terra somado à conservação e restauração de ecossistemas críticos e melhores práticas agrícolas. Isso pode garantir que as pessoas que vivem e cuidam das florestas e dos ecossistemas que dependemos para viver possam prosperar por décadas e séculos no futuro.

<p>Um agricultor escala uma palmeira para coletar seiva em Kalimantan Ocidental, na Indonésia. Investir nos meios de subsistência das comunidades rurais é uma das melhores maneiras de proteger florestas em todo o mundo (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)</p>

Um agricultor escala uma palmeira para coletar seiva em Kalimantan Ocidental, na Indonésia. Investir nos meios de subsistência das comunidades rurais é uma das melhores maneiras de proteger florestas em todo o mundo (Foto: Panos Pictures/Food and Land Use Coalition)