Artigo escrito por Clarisse Cunha Linke e Luis Antonio Lindau e publicado originalmente no Valor Econômico.


Desde que foi criado, em 2009, o Programa Minha Casa, Minha Vida recebeu elogios e críticas severas. Se não há dúvidas sobre a sua contribuição para reduzir o histórico déficit habitacional do país, com mais de 4,5 milhões de unidades entregues à população, não foram poucos os questionamentos quanto à qualidade dos projetos, à distância dos empreendimentos em relação à área urbana consolidada e à dificuldade de acesso a serviços básicos como transporte coletivo, educação, saúde e proteção social.

Um dos principais problemas identificados se refere à localização dos projetos, geralmente relegados a espaços afastados da infraestrutura das cidades, onde o preço da terra é mais barato. Quando se constrói em terrenos fora da mancha urbana, em vez de ocupar os vazios urbanos existentes, cabe ao poder público municipal levar a infraestrutura e os serviços básicos necessários aos novos moradores. Esse custo adicional fica em segundo plano no momento da decisão sobre a construção dos empreendimentos. Porém, agora os gestores públicos têm à disposição parâmetros que orientam sobre a dimensão do impacto econômico dessas escolhas e quais critérios adotar para melhor qualificar os empreendimentos.

Construir habitação social afastada da cidade traz um ônus inevitável para os moradores e para o poder público. Mapear parte destes custos adicionais é o objetivo dos Cadernos Minha Casa+Sustentável, coleção lançada pelo Ministério das Cidades que contou com estudos desenvolvidos por WRI Brasil e ITDP Brasil. As publicações serão usadas para qualificar a fase 3 do Programa, que passou a exigir diretrizes urbanísticas para além do empreendimento em si.

Para isso, foram comparados três cenários: construção próxima ao centro urbano, na borda da área urbana consolidada, ou seja, no final da cidade, ou fora da mancha urbana - a escolha mais comum, onde a terra é mais barata. No último caso, o valor adicional é de cerca de R$ 10 mil por unidade habitacional, considerando apenas a instalação de infraestrutura viária, provisão de transporte coletivo e de equipamentos públicos comunitários como escolas, unidades de saúde e de assistência social. Se levarmos em conta um empreendimento de 3.000 unidades habitacionais (um porte bastante comum para o MCMV), esse valor chega a R$ 30 milhões de custos adicionais para cada empreendimento habitacional. Em regiões centrais, tais custos não existiriam, uma vez que possivelmente a infraestrutura e os equipamentos necessários já estariam construídos e consolidados.

As publicações também abordam os parâmetros básicos de qualificação da inserção urbana, oferecendo um caminho para o gestor público enfrentar e solucionar o problema. Além dos custos adicionais que decorrem da decisão de construir longe do centro urbano, a médio e longo prazo é preciso adicionar o custo de operação e manutenção desses equipamentos e serviços, o que onera o orçamento público progressivamente e implica a superação, em poucos anos, dos custos de instalação das infraestruturas.

Os estudos revelaram que, ao construir fora da mancha urbana, após quatro anos de funcionamento os custos de operação e manutenção dos equipamentos públicos superam os de implementação em 2,5 vezes. Somam-se a isso os gastos com acesso viário e com o atendimento da nova demanda de transporte coletivo. Também é necessário levar em conta outras externalidades atreladas à mobilidade urbana, como o aumento do tempo gasto nos deslocamentos, a elevação da poluição do ar, o aumento de acidentes de trânsito, entre outros.

Construir uma cidade é muito mais complexo do que a obra de engenharia em si. O local de moradia é um espaço em que são desenhados os laços de vizinhança, o sentimento de comunidade e os hábitos cotidianos. Para tal, é imprescindível que estejam ao alcance dos moradores opções de transporte, lazer, educação, saúde e cultura. É necessário pensar em habitação como uma das principais peças existentes dentro da rede de conexões de uma cidade, buscando evitar a demanda por mais infraestruturas, equipamentos e serviços em áreas expandidas do território urbano.

O esforço de quantificar os custos das decisões e propor métodos claros, que auxiliem a escolha dos gestores por áreas adequadas, está contemplado na Coleção Minha Casa+ Sustentável. Os parâmetros privilegiam a análise de alternativas sustentáveis de deslocamento (a pé, por bicicleta e por transporte público), e as distâncias aceitáveis para garantir uma boa qualidade de vida para os moradores.

O desenvolvimento dos projetos e a construção dos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida são realizados por diferentes órgãos, secretarias, instituições financeiras, empresas ou entidades promotoras e beneficiários. Para compatibilizar as diversas opiniões e necessidades e gerar projetos mais completos, que contribuam para os moradores acessarem efetivamente as oportunidades da cidade, é preciso garantir a cooperação, o engajamento e o alinhamento de todos esses atores. Também é essencial partir de uma abordagem integrada entre as diversas políticas setoriais e o planejamento municipal, buscando conciliar as ações a serem realizadas durante a construção e após a ocupação dos empreendimentos.

O governo federal anunciou, em fevereiro deste ano, que deverá contratar em 2018 mais de 600 mil novas unidades do Programa Minha Casa Minha Vida. Espera-se que, a partir das informações disponíveis nos Cadernos Minha Casa + Sustentável, os atores envolvidos incorporem uma visão mais holística, integrando o planejamento urbano ao de transportes, trazendo benefícios não apenas às pessoas que necessitam de habitação, mas impulsionando a sustentabilidade das cidades brasileiras.


Clarisse Cunha Linke é diretora executiva do ITDP Brasil.

Luis Antonio Lindau é diretor do Programa de Cidades do WRI Brasil.