A agricultora familiar Lucia Martins Pereira, conhecida como dona Lucinha, se orgulha de ter transformado a terra de onde tira o seu sustento. Quando chegou ao Assentamento Ulisses, em Jampruca, Minas Gerais, a maior parte da área estava degradada. Hoje, graças a implantação de um Sistema Agroflorestal (SAF), através de mutirões com a comunidade local, ela vem conseguindo recuperar a integridade ambiental da terra e ao mesmo tempo produzir alimentos para consumo próprio e venda nas feiras locais. “A gente cultiva a terra, e a terra cultiva a gente”, diz.

Iniciativas como a de dona Lucinha, com a restauração de áreas antes degradadas por meio de agroflorestas, já acontecem na bacia do rio Doce, em Minas Gerais, há pelo menos 20 anos. As ações de restauração vem sendo incrementadas pela Fundação Renova e sua rede de parceiros em função da necessidade de recuperação da bacia após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, mas o histórico das iniciativas existentes já pode nos dar boas ideias de como dar escala para a restauração na paisagem.

O WRI Brasil, por meio do projeto Pro-Restaura, visitou sete instituições que atuam em algum ponto da cadeia de restauração no vale do Doce, além de 13 proprietários rurais da região. Com base nesse conhecimento, produziu um levantamento que mostra o histórico da restauração no Doce e uma grande oportunidade para dar escala ao reflorestamento no futuro.

A bacia do rio Doce tem um histórico de degradação que data da década de 1940, quando se explorou as florestas para abastecimento de carvão vegetal às grandes siderurgias. A substituição do restante de florestas por capim para a pecuária acabou reduzindo ainda mais a fertilidade do solo.

As primeiras experiências de restauração datam do final dos anos 1990. Por exemplo, na Fazenda Bulcão, do Instituto Terra, projeto do fotógrafo Sebastião Salgado, foram restaurados 600 hectares, criando um grande laboratório para a restauração. Mas as principais experiências de restauração na bacia têm sido levadas adiante por agricultores familiares, organizados em assentamentos da reforma agrária.

SAFs como modelo para a restauração na bacia

Dona Lucinha cultiva a terra em um mutirão para plantar agrofloresta em Minas Gerais (Foto: Luciana Alves/WRI Brasil)

Os agricultores familiares iniciaram a implementação de Sistemas Agroflorestais na bacia em projetos incentivados pelo Centro Agroecológico Tamanduá. Eles escolheram os SAFs por ser uma forma de conciliar a recuperação do solo com a produção alimentar. Hoje, esses sistemas contam com cobertura florestal alta e diversidade de espécies – ao mesmo tempo em que produzem alimentos. O resultado dessa experiência mostra que os SAFs podem ser importante modelo para dar escala à restauração em Minas Gerais.

Além disso, nas unidades demonstrativas que estão sendo implantadas na região do Gualaxo do Norte pelo WRI Brasil, por meio do projeto Renovando Paisagem, desenvolvido em parceria com a Fundação Renova, os produtores utilizam SAFs por conta dos diversos benefícios gerados pela abordagem. Observar e respeitar o que já está acontecendo e trazer conhecimento técnico para aprimorar os sistemas produtivos é um elemento chave para o ganho de escala da restauração.

Outra característica interessante dos sistemas agroflorestais implantados por agricultores é que eles permitem não só melhoria de renda e segurança alimentar, como também a valorização do trabalho feminino. É comum ver as mulheres em papel de protagonismo nos SAFs. Esse protagonismo é incentivado pela dinâmica de cultivo, quase sempre realizado na forma de mutirões em que as mulheres lideram os arranjos, as espécies que comporão o SAF e as etapas de beneficiamento dos produtos gerados, o que as coloca como peça-chave na tomada de decisões. Essa dinâmica favorece o empoderamento feminino no meio rural.

Gargalos – e como resolvê-los

Um grande aprendizado gerado pelo levantamento do histórico e das iniciativas existentes de restauração é a identificação dos gargalos existentes hoje para que a restauração florestal ganhe escala.

O levantamento mostra que os prazos dos financiamentos de restauração ainda são um problema – projetos com SAFs, que envolvem mobilização, capacitação, implantação, manejo, além de envolver beneficiamento de produtos e mercados, tomam tempo, mas os projetos financiados costumam ser de curto prazo, entre dois e cinco anos.

Outro problema é a capacitação e a assistência técnica. Elas existem, e permitiram que muitos produtores se envolvessem na restauração, mas ainda não são o suficiente para abranger todos os produtores interessados ou todo o território. Enfrentar esses gargalos pode dar grande impulso ao plantio de florestas em Minas Gerais.

No momento certo para dar escala à restauração

Apesar dos gargalos, a análise mostra que Minas Gerais tem condições para fazer o plantio de florestas ganhar escala. O estado e diversas iniciativas locais caminham para a estruturação da cadeia da restauração desde a estruturação de uma rede de sementes e mudas, que está sendo fomentada na bacia do Rio Doce pela Fundação Renova, que pode atender boa parte da demanda de áreas a serem restauradas. Além disso, medidas estão sendo tomadas para que agricultores tenham segurança jurídica ao plantar e colher espécies de árvores nativas.

Mais importante, o levantamento identificou grande entusiasmo entre agentes públicos, lideranças comunitárias, educadores e agricultores. A mobilização social pode fazer com que o entusiasmo para cultivar a terra demonstrado por dona Lucinha se espalhe pela bacia do Doce, transformando o estado em um polo da restauração florestal no país.