Junto aos novos comportamentos e às mudanças no panorama da mobilidade urbana, as alternativas da nova mobilidade trouxeram outro elemento que pode mudar o planejamento de transportes e a própria maneira como cidades e empresas se relacionam: dados. É uma nova variável que entra no jogo, levantando questionamentos importantes. De um lado, as cidades se veem diante do desafio de acessar essas informações e, uma vez tendo acesso, como analisá-las e utilizá-las em prol de um planejamento mais eficiente. De outro, a questão da privacidade dos usuários: é seguro desagregar informações de origem, destino e trajeto de cada deslocamento que fazemos mesmo que a informação seja anônima?

As opções da nova mobilidade alteraram as configurações de um terreno conhecido. Até aqui, as cidades estavam acostumadas a planejar a mobilidade para os mesmos modos de transporte e nos mesmos modelos, como as pesquisas de Origem e Destino. Agora isso mudou.

Aplicativos de sistemas como Uber, 99 e Cabify, empresas de bicicletas compartilhadas como a Yellow e, mais recentemente, os patinetes elétricos geram todos os dias quantidades inimagináveis de dados referentes aos deslocamentos feitos nas cidades onde operam. Essas informações podem ser valiosas para o planejamento na medida em que permitem observar onde se concentram as viagens, tempos de deslocamento, horários de maior e menor demanda, entre outros. Como consequência, é possível identificar necessidades de infraestrutura e otimizar itinerários de transporte coletivo.

As cidades são ao mesmo tempo cenário e agente ativo nessas mudanças. Hoje, em todo o mundo, se veem diante do mesmo desafio: o acesso aos dados de nova mobilidade e a capacitação técnica para analisar e trabalhar com eles, a fim de melhorar o planejamento. E uma das primeiras a avançar nesse caminho é Los Angeles, nos Estados Unidos.

Padronizando os dados

Para o planejamento de linhas de transporte coletivo, existe o padrão GTFS. A Especificação Geral de Feeds de Transporte Público (na tradução em português) é um formato comum para a disponibilização de horários e informações geográficas. Os feeds permitem que as agências operadoras publiquem as informações e, a partir delas, desenvolvedores criem aplicativos, por exemplo.

Essa é uma das dificuldades encontradas por empresas e cidades no que diz respeito à disponibilização de dados entre os modos da nova mobilidade. Os diferentes formatos solicitados em cada cidade (PDF, CSV etc.) implicam um significativo gasto de tempo por parte das empresas e, ao mesmo, dificultam a troca de informações e boas práticas entre as próprias cidades.

O Departamento de Transporte de Los Angeles (LADOT) começou trabalhando exatamente por esse ponto. Assim desenvolveram uma ferramenta inovadora e, até então, única, que cria um padrão para os dados de todos os tipos de veículos: a Mobility Data Specification, ou MDS (em português, “especificação de dados de mobilidade”. Por enquanto, o sistema está sendo utilizado apenas pelas empresas de patinetes elétricas e bicicletas sem estação (dockless), mas a ideia é que possa ajudar as cidades a gerenciar também os dados de serviços como o Uber e até mesmo drones e veículos autônomos. Para as empresas que já compartilham os dados com a administração municipal em Los Angeles, a troca é mútua: de posse das informações, a cidade pode prover melhorias na infraestrutura para os usuários.

Trocando informações

O MDS possui duas vias para a troca de informações entre cidades e empresas. A primeira, chamada Provider (em português, provedor, fornecedor) e que já funciona em Los Angeles, permite que as empresas enviem informações sobre cada patinete ou bicicleta, trajetos realizados, horários e localização de início e fim, entre outros dados. A segunda, Agency (agência, em português), é a via oposta: a cidade envia informações para as empresas. Dessa forma, a administração municipal pode alertar sobre ocorrências como acidentes ou bloqueio de vias ou notificar as empresas sobre veículos estacionados em locais inadequados ou parados há algum tempo, possivelmente devido a algum tipo de dano.

A troca constante de informações estabelece uma interoperabilidade entre as empresas da nova mobilidade e o poder público, o que gera mais eficiência na atuação de ambos os lados. Ao mesmo tempo, os usuários também podem ser beneficiados com uma melhor infraestrutura, como mencionamos acima.

E a privacidade?

Se um sistema como o desenvolvido por Los Angeles é um avanço para o planejamento da mobilidade ou uma invasão à privacidade que deve ser evitada, esse é um dos principais motivos debate no âmbito das inovações em mobilidade.

A privacidade dos usuários está no centro da discussão sobre o compartilhamento desse tipo de dado. Com as informações desagregadas por viagem e usuário, como no modelo de Los Angeles, é possível saber onde e a que horas cada usuário realizou cada deslocamento, e um vazamento de informações como essas poderia ter consequências graves. Por outro lado, à medida que o MDS é aprimorado e alcança outras cidades e modos, tem o potencial de promover uma mudança profunda nas relações entre empresas e cidades de um lado e no planejamento urbano, de outro.

<p>Usuária da Bird, uma das empresas de patinetes que opera em Los Angeles: privacidade dos usuários é um ponto crucial no debate sobre o compartilhamento de dados (Foto: Nathan Rupert/Flickr)</p>

Usuária da Bird, uma das empresas de patinetes que opera em Los Angeles: privacidade dos usuários é um ponto crucial no debate sobre o compartilhamento de dados (Foto: Nathan Rupert/Flickr)

Outro caminho é o compartilhamento de relatórios gerais, com as informações agregadas (sem informações detalhadas viagem a viagem), que preservam a privacidade do usuário e também podem ser úteis para o planejamento, embora não com o mesmo nível de detalhe. Em São Paulo, por exemplo, a regulamentação exige o compartilhamento de dados de cada viagem, o que poderia gerar problemas de privacidade. Um relatório recente do ITDP, no entanto, indica que apenas a quilometragem total percorrida no por dia está sendo repassada pelas empresas à cidade.

No domínio da nova mobilidade, assim como no das inovações em geral, as mudanças são rápidas e constantes. À medida que novas soluções surgem e outras são substituídas ou aprimoradas, a privacidade dos usuários é um ponto que nem empresas nem cidades devem perder de vista, a fim de que os benefícios das inovações não se tornem também prejudiciais.