Este artigo foi escrito por Emily Mangan e publicado originalmente no WRI Insights.


A ameaça de uma guerra comercial entre Estados Unidos e China paira na comunidade internacional. Enquanto a retórica dos líderes dos dois países se torna mais agressiva, um sinistro efeito colateral ficou de fora do centro das discussões: o potencial impacto para as florestas e o clima.

Recentemente, a China anunciou que vai impor uma tarifa de 25% nos produtos agrícolas americanos, incluindo soja, trigo, milho, algodão, tabaco e carne. Ainda não há uma data de implementação dessas novas taxas, mas o anúncio foi o suficiente para aumentar a demanda por soja e outros produtos agrícolas nos países da América do Sul. Isso pode ser uma oportunidade para países como o Brasil aumentarem receitas e promoverem boas práticas de uso da terra. Ao mesmo tempo, sem as necessárias precauções de governos, empresas e comunidade internacional, uma mudança na produção de soja poderia colocar em risco ecossistemas tropicais, em particular o Cerrado brasileiro, ameaçado pelo desmatamento provocado pela expansão da agricultura.

A China importa cerca de metade de sua soja da América do Sul – uma importação que chega a um total de US$ 19,5 bilhões, com cerca de US$ 15,6 bilhões apenas para o Brasil. E ela já começou a aumentar a demanda por soja do Brasil: as exportações brasileiras de soja para a China mais que dobraram desde setembro de 2017, em parte por conta de uma forte seca na Argentina.

Com o aumento das tarifas nos produtos americanos, o Brasil pode ser o maior beneficiário da guerra comercial entre EUA e China. Analistas acreditam que isso pode ter impactos de longo prazo na produção e no preço da soja. Se a demanda chinesa aumentar a produção, a soja poderia, em tese, avançar em áreas de florestas – isso se as necessárias salvaguardas não forem colocadas em prática.

Como o preço da soja interfere no desmatamento

De acordo com uma meta-análise sobre as principais causas do desmatamento, os preços dos produtos agrícolas são um forte fator no aumento das taxas de desmate. Mudanças no uso da terra em resposta ao aumento de preços são muito mais elásticas no Brasil do que nos EUA. Simplificando, isso significa que se os preços aumentarem, a produção da soja tende a se expandir, assim como aconteceu no começo dos anos 2000. Por outro lado, preços baixos podem facilitar algumas mudanças políticas e ambientais. Por exemplo, a Moratória da Soja, um acordo voluntário por desmatamento zero na indústria da soja assinado no Brasil em 2006, foi possível em parte porque foi formulado quando o preço da soja estava baixo.

A possibilidade de uma guerra comercial entre China e Estados Unidos já fez com que os preços da soja atingissem o maior patamar nos últimos 21 meses. E o risco de desmatamento se estende para além da Amazônia brasileira. Outros ecossistemas, como o Cerrado, e outros países, como os vizinhos Paraguai, Argentina e Bolívia, podem sofrer aumento do desmatamento.

Além do potencial de impactar as florestas brasileiras, uma explosão do cultivo de soja poderia, em tese, afetar as emissões do Brasil e a capacidade do país de cumprir com suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) no Acordo do Clima de Paris. Mudanças do uso da terra e florestas, combinados com agricultura, contribuíram com 28,6 ktCO2e nas emissões brasileiras entre 1990 – 2014, 74% do total. O aumento do desmatamento elevaria ainda mais as emissões do Brasil.

Limitando o desmatamento da expansão da soja

Se uma guerra comercial resultar em crescente demanda pela soja brasileira, o que tomadores de decisão e empresas devem fazer para evitar um potencial dano à floresta? A resposta pode estar nos esforços em desassociar a produção de commodities do desmatamento.

O governo brasileiro vem conseguindo, com sucesso, limitar o desmatamento causado pela soja por meio de um sistema de monitoramento por satélite de alta tecnologia somado a um esforço muscular em fazer a fiscalização da lei florestal. Além disso, as empresas quase eliminaram o desmatamento da cadeia de fornecimento por meio da Moratória da Soja na Amazônia. É possível fortalecer essa política expandindo a proteção da Moratória para áreas do Cerrado e outros biomas.

Empresas do setor já progrediram ao se comprometer a parar o desmatamento. Esse comprometimento foi inspirado pelo Manifesto do Cerrado, um chamado a ação feito por 60 pesquisadores e organizações ambientais para que empresas que compram soja e carne produzidos no Cerrado eliminem o desmatamento no bioma. As empresas também podem usar inovações tecnológicas para implementar seus compromissos – inovações como, por exemplo, os dados relacionados a desmatamento e soja do Global Forest Watch e, em breve, o GFW Pro, uma nova ferramenta para gerenciar risco de desmatamento na cadeia de fornecimento.

Fundos de financiamento climático poderiam ajudar a fortalecer as florestas contra flutuações de preços de commodities e proporcionar incentivos para a conservação. Mas ainda falta financiamento para apoiar um comércio livre de desmatamento. Em 2016, menos de 2% (US$ 3 bilhões) dos US$ 141 bilhões em financiamento climático foram designados para florestas e uso da terra – isso apesar das estimativas indicarem que a conservação e a restauração poderiam representar 60% da redução de emissões necessárias para a América Latina e o Caribe se tornarem neutros em carbono até 2050. Com maior foco no setor de uso da terra, os países poderiam cumprir suas NDCs, e fundos climáticos e países doadores poderiam ter grandes retornos de seus investimentos.

O Brasil e outros países da América do Sul podem ver alguns benefícios econômicos com a guerra comercial entre EUA e China, mas os custos potenciais são altos. Um boom da soja poderia colocar em risco as florestas, que sustentam serviços locais vitais como abastecimento de água e sequestro de carbono. Há um caminho melhor. Guerras comerciais têm vencedores e perdedores, mas se as florestas brasileiras forem conservadas, todos serão beneficiados.