Este artigo foi escrito por Frances Seymour e David Gibbs e publicado originalmente no Insights.

O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) acaba de ser lançado. No título, nenhuma referência a “florestas” ou “desmatamento”. Assim como em grande parte do sumário do relatório, no qual as florestas foram varridas para categorias mais amplas como terras degradadas e manejo sustentável da terra, ofuscando uma das estratégias mais importantes de mitigação e adaptação ao clima: proteger as florestas – especialmente as florestas tropicais.

No entanto, o relatório confirma muito do que já se sabia sobre a relação entre as florestas tropicais e as mudanças climáticas, assim como revela ciência relativamente nova sobre como as florestas interagem com a atmosfera. Veja a nossa análise:

1. O desmatamento representa uma parte importante do problema de excesso de emissões de gases de efeito estufa (GHG), mas a proteção e a restauração das florestas representa uma parte ainda maior da solução.

De acordo com o relatório, o desmatamento e a degradação de turfeiras contribuem com a maior parte dos 13% das emissões totais de CO2 causadas pelo homem. Mas como as florestas em crescimento também absorvem carbono, esses números líquidos – o resultado da subtração do sequestro das emissões brutas – ocultam seu potencial papel na mitigação. O IPCC conclui com “alta confiança” que o potencial de mitigação da redução do desmatamento é próximo das emissões brutas de todo o setor de uso da terra, cerca de um terço do total de emissões globais. Segundo o relatório, “reduzir as taxas de desmatamento e de degradação florestal representa uma das opções mais eficazes e robustas para a mitigação das mudanças climáticas, com grandes benefícios de mitigação globalmente”.

2. Melhorar a gestão das florestas é uma estratégia de mitigação “livre de arrependimentos” que também é importante para a adaptação climática e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

De fato, segundo o relatório, melhorar o manejo florestal é apenas uma das nove opções de resposta (de um total de 40) com médio a alto benefício para todos os cinco desafios abordados pelo relatório: mitigação, adaptação, desertificação, degradação da terra e segurança alimentar. E a redução do desmatamento e da degradação é uma das cinco únicas opções de resposta que oferecem grande potencial de mitigação sem correr o risco de gerar outros desafios. O relatório também observa que a preservação e a restauração de florestas e turfeiras e outras opções que não exigem mudanças no uso da terra fornecem “impactos quase exclusivamente positivos para o desenvolvimento sustentável”, como redução da pobreza e da fome e melhoria da saúde, água potável e saneamento.

3. O plantio de árvores que resulta em mudanças no uso da terra deve ser tratado de forma mais seletiva.

Embora o aumento da cobertura florestal resulte no maior armazenamento de carbono, as iniciativas de reflorestamento e florestamento podem aumentar a competição por terra e ter consequências adversas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por exemplo, o IPCC adverte que o florestamento em larga escala pode ameaçar a segurança alimentar, elevando os preços dos alimentos.

4. Os efeitos da mudança da cobertura florestal no clima local podem ser mais significativos do que os efeitos globais.

Embora muita atenção esteja focada adequadamente em manter a elevação da temperatura global bem abaixo de 2°C, em acordo com as metas do Acordo de Paris, o relatório do IPCC deixa claro que devemos prestar atenção também aos impactos das florestas na temperatura e na precipitação em níveis local e regional. Por exemplo, o relatório conclui que as florestas diminuem consistentemente os extremos de calor. Embora seja tentador pensar nesse efeito no contexto da recente onda de calor recorde na Europa (plantar mais árvores em Paris!), imagine o que o desmatamento significa para as pessoas que vivem nos trópicos, onde as temperaturas já são mais altas e o acesso à saúde é mais limitado.

5. Os impactos das florestas no clima não são apenas sobre os gases de efeito estufa.

O relatório do IPCC explica como as florestas afetam o clima no nível local, regional e global através de diversos formas, não apenas por armazenarem carbono. O desmatamento pode contribuir para o aquecimento ou resfriamento ao alterar o albedo (a quantidade de luz solar refletida); reduzir a evapotranspiração, que resfria o ar; afetar a liberação de aerossóis e compostos orgânicos voláteis biogênicos, que podem afetar a formação de nuvens; e alterando a rugosidade da superfície da Terra, o que pode afetar a velocidade do vento. Um gráfico que ilustra esses efeitos pode ser encontrado no working paper Tropical Forests and Climate Change: The Latest Science. A combinação desses fatores e suas interações é complicada, e os resultados finais dependem da escala do distúrbio, da latitude e da sazonalidade da floresta e das condições ambientais, como temperatura, umidade disponível e cobertura de neve, que por sua vez vão variar com a mudança do clima. Os modelos desenvolvidos para simular o sistema terrestre nem sempre fornecem resultados iguais sobre a magnitude – ou mesmo a direção – das mudanças na temperatura global devido a esses efeitos biogeoquímicos e biofísicos combinados do desmatamento, mas de maneira geral, os efeitos provavelmente são dominados pelas emissões de GEE.

6. Jimmy Buffett estava certo: a latitude é importante.

As letras do compositor Jimmy Buffett sugerem que “nada permanece exatamente o mesmo” quando mudam as latitudes. De acordo com o relatório do IPCC, isso também é verdade para o impacto do desmatamento através dos efeitos não relacionados a GEE descritos acima. Nas regiões boreais de alta latitude, o desmatamento causa resfriamento porque o efeito albedo domina – em uma paisagem sem árvores, a cobertura de neve reflete a luz solar; quando há cobertura de árvores, ela absorve a luz. Em zonas temperadas, a perda florestal causa aquecimento, embora o efeito seja mais variável. O desmatamento nos trópicos claramente leva ao aquecimento, enquanto o reflorestamento e o florestamento levariam ao resfriamento, com efeitos biofísicos amplificando os já significativos efeitos de reduções de emissões.

7. As próprias florestas estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas.

As interações entre as florestas e o clima não são apenas de sentido único. O relatório do IPCC descreve como a saúde e o funcionamento das árvores individualmente e de vários ecossistemas florestais são afetados pelo aumento da frequência, gravidade e duração de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas e inundações. As florestas também são vulneráveis a novas pragas e doenças cujo alcance está se expandindo em temperaturas mais quentes. Mas o impacto mais significativo da mudança climática sobre as florestas poderia ser uma maior vulnerabilidade ao fogo, devido a períodos mais longos de queimadas e secas, agravados quando combinados com desmatamento e degradação florestal. Os incêndios já são uma fonte significativa de emissões globais, especialmente quando ocorrem em florestas tropicais ricas em carbono, como as da Indonésia e do Brasil.

Então, o que deveríamos fazer?

O novo relatório deixa claro que as florestas fazem parte do sistema climático: as florestas afetam o clima em vários níveis por meio de diversos meios; as mudanças climáticas impactam as florestas e podem exacerbar a degradação florestal; e os seres humanos contribuem para ambas as partes do sistema através do manejo florestal e da mudança da cobertura florestal. O principal argumento é que a conservação de florestas tropicais é ainda mais importante do que pensávamos anteriormente, tanto para resfriar o clima global quanto para prover o clima local e outros benefícios.

Existem muitas estratégias para proteger as florestas e especialmente para acabar com o desmatamento tropical. As conclusões do relatório do IPCC – de forma explícita ou implícita – sugerem os seguintes caminhos:

  • Apoiar os países ricos em florestas na redução do desmatamento e da degradação florestal, com uma ênfase de curto prazo na proteção de ecossistemas ricos em carbono e difíceis de substituir que fornecem muitos co-benefícios, como florestas primárias, turfeiras e manguezais. Muitos países já incluíram metas relacionadas à floresta em seus planos climáticos, conhecidos como contribuições determinadas nacionalmente (NDCs); seus esforços devem ser apoiados e seu sucesso recompensado, com financiamento consistente com a abordagem do REDD+ da UNFCCC, que já estimula investimentos no uso sustentável da terra.

  • Reduzir a concorrência por terra. Coerente com o recente World Resources Report, o IPCC identifica ações como o aumento da produtividade agrícola e a redução da perda e desperdício de alimentos como estratégias “sem arrependimentos” para reduzir o desmatamento e atender aos objetivos de segurança alimentar e mitigação climática.

  • Reconhecer o papel dos povos indígenas como administradores florestais. O IPCC identifica conhecimentos e práticas indígenas como importantes contribuições para a resiliência climática. Conclui que o fortalecimento da segurança da posse de terra das comunidades indígenas pode levar a um melhor manejo florestal, especialmente ao capacitá-los a excluir atores externos que buscam se apropriar de suas terras e recursos. Essas descobertas são particularmente relevantes à luz do recente relatório Global Witness sobre defensores ambientais, que descobriu que “em média, mais de três ativistas foram mortos a cada semana em 2018 defendendo suas terras da invasão de indústrias como mineração, extração de madeira e agronegócio”.

  • Reduzir as emissões de combustíveis fósseis imediatamente. As florestas em si são ameaçadas pelas mudanças climáticas, por isso a falta de progresso na redução de emissões a partir de outras fontes aumentará a demanda por mitigação baseada em florestas e, ao mesmo tempo, prejudicará seu potencial. Investir em florestas e outras opções de mitigação do setor de uso do solo só será eficaz como parte de uma estratégia de ambos e de manter o planeta menos aquecido.