A exposição à poluição do ar é a causa de mais de 50 mil mortes por ano no Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), detentora hoje de uma das maiores bases de dados do mundo sobre qualidade do ar. Os problemas decorrentes da exposição ao ar poluído podem incluir acidentes vasculares cerebrais, doenças cardíacas, câncer de pulmão, doenças pulmonares obstrutivas crônicas e infecções respiratórias. Para a OMS, esse é um dos grandes desafios que o Brasil enfrenta hoje em termos de saúde pública.

Um dos passos fundamentais para enfrentar esse desafio é construir uma legislação sólida, que estabeleça ações, metas, prazos e responsabilidades claras para o enfrentamento da poluição do ar. Entraves políticos, interesses econômicos e dificuldades de articulação entre técnicos e representantes institucionais estão entre os obstáculos a serem superados para implementar leis que visem melhorar a qualidade do ar. O que fazer para contornar as dificuldades e avançar na questão?

Tornar o assunto compreensível e sensível para as pessoas é uma das alavancas para o avanço da legislação que versa sobre a qualidade do ar. É o que pensa Carlos Minc, mestre em Planejamento Urbano e Regional (Universidade Técnica de Lisboa), doutor em Economia do Desenvolvimento (Universidade de Paris), deputado estadual pelo (PSB/RJ) e presidente da Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos de Raça, Cor, Etnia e Religião da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro).

Atualmente em seu oitavo mandado como deputado estadual do Rio de Janeiro, Minc já foi secretário estadual do meio ambiente no mesmo estado, ministro do meio ambiente e possui pelo menos 170 leis aprovadas ao longo da carreira de parlamentar abrangendo temas como meio ambiente, tecnologias limpas, saúde e cidadania. O poder de ação, ele explica, varia nas diferentes escalas. "Quando você é deputado, você faz uma lei e fica ali, brigando por ela. Enquanto secretário, você tem a caneta para garantir a mudança. Já o Ministério oferece um poder de alcance. Grandes vitórias ambientais que eu tive aconteceram enquanto fui ministro. As decisões nacionais têm muito impacto. Criam normas e diretrizes que abrangem o país inteiro", pondera.

Em conversa com a equipe do WRI Brasil, ele falou sobre algumas das leis que conseguiu implementar, as dificuldades encontradas no processo e os fatores que podem facilitar o avanço de leis relacionadas à qualidade do ar.

<p>Rio de Janeiro</p>

O Rio de Janeiro, atualmente, é o único estado brasileiro com uma lei de inspeção veicular que avalia as emissões dos veículos (Foto: Geraint Rowland/Flickr)

Em 1995, Minc foi o autor da Lei 2389/95, que retirou o chumbo da gasolina, contribuindo para a preservação do meio ambiente e da saúde humana, uma vez que o chumbo é um elemento que afeta o sistema nervoso central. As refinarias investiram R$ 450 milhões para a adequação tecnológica. O Pacto do Ar Limpo uniu ecologistas, técnicos, petroleiros e a Fiocruz.

Essa lei foi parte de uma série em prol da saúde do trabalhador. Chamávamos de "tecnologia limpa" ou simplesmente "saúde do trabalhador". Envolvia mudar a tecnologia de empresas para melhorar as condições de saúde, porque o chumbo é um metal pesado que impacta diretamente o sistema nervoso. Mas essa lei especificamente também se relaciona com a qualidade do ar pela seguinte questão: as crianças que cresciam respirando um ar com alta concentração de chumbo podiam registrar uma perda de até 25% do quociente intelectual segundo pesquisas médicas.

Outro exemplo veio no ano seguinte, com a aprovação da lei que instituiu a inspeção veicular técnica e ambiental no estado do Rio de Janeiro (Lei 2539/96). A lei contribui para a redução da poluição do ar a partir do controle anual, feito pelo Inea, da emissão de poluentes pelos veículos.

O Rio é até hoje o único estado com uma lei desse tipo. Trata-se de uma lei impopular, porque envolve pagamento – com certeza existem pessoas que não gostam de mim até hoje por causa dela. Mas não é só a lei da inspeção veicular, é também da segurança veicular – a mesma inspeção que verifica a emissão de gases poluentes checa os freios, as luzes, os amortecedores, para evitar acidentes.

Em 2009, enquanto Ministro do Meio Ambiente, Minc ajudou a elaborar e implementar a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12187/09), que fez do Brasil o primeiro país em desenvolvimento a ter uma lei desse tipo.

Felizmente ganhei muitas das minhas lutas no Ministério [do Meio Ambiente]. Uma delas foi a Lei do Clima. O Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a ter uma lei de redução das emissões de carbono, assim como os países desenvolvidos. Foi um processo difícil. Aqui, todos os ministérios eram contrários ao país estabelecer metas de redução de emissões, cada um por uma razão. Fomos a um por um, explicando, tentando convencer. Isso foi há nove anos, e foi uma mudança, uma quebra de paradigma.

Ondas que vão e voltam

O momento é de discussão para a qualidade do ar no Brasil. Recentemente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão por meio do qual são estabelecidas normas relativas ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, apresentou uma proposta de revisão para os padrões de qualidade do ar vigentes no país. Em vigor desde 1990 e atualmente considerada defasada frente a novas diretrizes estabelecidas pela ONU, a resolução 03/90 ainda é o documento que define os padrões nacionais de qualidade.

A nova proposta também foi alvo de críticas, e o assunto ainda não teve uma definição. Em um cenário de debates e, ainda, incertezas, aprender com as lições de experiências bem-sucedidas pode oferecer uma perspectiva de caminho a ser seguido.

A partir de sua experiência, o deputado acredita no poder das ações. “Não adianta falar do problema sem propor soluções”, avalia Minc. “É preciso oferecer alternativas”. Para ele, um dos fatores que contribuem para o sucesso de determinadas leis é a aproximação da temática do dia a dia das pessoas, de forma que compreendam o que está em jogo para sua saúde e cotidiano. Aliado a isso, está o apoio midiático – na visão do parlamentar, contar com o reforço da imprensa nas questões ambientais é crucial para o avanço e cumprimento das leis.

Minc reconhece que o momento não é o melhor já vivido para quem batalha pela qualidade do ar e pela preservação ambiental – mas acredita em dias melhores. “Vivemos hoje uma situação tão difícil que nosso grande ganho é conseguir impedir retrocessos. Mas nada é para sempre. Estamos em um momento difícil, mas as ondas vão e voltam”, encerra.