Este blog foi escrito por Kelly Levin e publicado originalmente no Insights.


O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que meio grau de aquecimento importa – e muito.

Como parte do Acordo de Paris, os países se comprometeram a manter o aquecimento global bem abaixo de 2˚C em relação aos níveis pré-industriais, mas ao mesmo tempo fazer esforços para limitar esse aumento da temperatura média a 1,5˚C. Com base em uma solicitação dos governos, o IPCC, grupo que reúne os principais cientistas climáticos do mundo, avaliou como os impactos de um aumento de temperatura de 1,5˚C diferem de 2˚C, bem como o que precisa mudar nas emissões de gases de efeito estufa em cada cenário.

Suas descobertas mostram que o mundo enfrentará severos impactos climáticos, mesmo com 1,5˚C de aquecimento, e os efeitos pioram significativamente com 2˚C. O mundo já testemunha cerca de 1˚C de aumento da temperatura média e está se encaminhando para esgotar o orçamento de carbono para um cenário de 1,5˚C até 2030.

Veja as diferenças nos impactos entre um mundo 1,5˚C ou 2˚C mais quente:

Temperatura extrema

Tanto no cenário de aquecimento de 2˚C quanto de 1,5˚C, as temperaturas médias e os picos extremos serão maiores, o que vale para todas as partes habitadas no mundo. Por exemplo, com aquecimento de 1,5°C, quase 14% da população mundial seria exposta a fortes ondas de calor pelo menos uma vez a cada cinco anos. Em comparação, no cenário de 2°C de aquecimento, 37% da população mundial seria exposta a fortes ondas de calor pelo menos uma vez a cada cinco anos.

Secas

A probabilidade de seca e os riscos de indisponibilidade de água podem ser substancialmente reduzidos se o aquecimento for limitado a 1,5°C. Por exemplo, o risco de aumento da magnitude e frequência de secas é significativamente maior sob 2°C de aquecimento no Mediterrâneo e na África Austral do que sob 1,5°C.

Chuvas fortes e enchentes

Regiões montanhosas e de alta latitude, como a Ásia Oriental e a região leste da América do Norte, devem experimentar chuvas mais pesadas sob 2°C de aquecimento do que sob 1,5°C. Enquanto 1,5°C pode levar a um aumento de enchentes em algumas regiões em comparação com as condições de hoje, 2°C pode levar um aumento ainda pior.

Ártico sem gelo

Com 1,5°C, o relatório mostra que é muito provável que ocorra um verão livre de gelo (quando a cobertura total de gelo marinho se reduz a menos de 1 milhão de quilômetros quadrados) no Ártico a cada 100 anos. No cenário de 2°C, a frequência aumenta para pelo menos um a cada 10 anos. Isso pode levar a um aumento na absorção de calor, gerar impactos na circulação oceânica e impactar o clima de inverno no hemisfério norte.

Elevação do nível do mar

Com 1,5°C de aquecimento, a elevação do nível do mar seria de 40 centrímetros até 2100, em comparação com os níveis do período entre 1986 e 2005. A 2°C, seriam 46 centímetros até 2100.

O risco de inundações também é maior com um aumento de temperatura mais alto. Com 1,5°C de aquecimento até 2100, até 69 milhões de pessoas poderiam estar expostas a inundações (assumindo que não haverá adaptação e a partir da população atual). Até 79 milhões de pessoas poderiam estar expostas em caso de 2°C de aquecimento.

Vale destacar que caso a taxa de aumento do nível do mar seja mais lenta, abre-se uma janela maior de oportunidades para os países e comunidades costeiras se adaptarem.

Desaparecimento de espécies

A 2ºC de aquecimento, projeta-se que 18% dos insetos, 16% das plantas e 8% dos vertebrados desaparecerão de mais de metade das áreas onde ocorrem. Com 1,5°C, isso é reduzido em dois terços para insetos, e pela metade para plantas e vertebrados.

Outros fatores que levam a perdas de espécies, como incêndios florestais e propagação de pragas e doenças, também diminuem se o aquecimento se mantiver em 1,5°C.

Ecossistemas terrestres

Ecossistemas vão se transformar conforme o aquecimento. Por exemplo, com 2°C de aquecimento, projeta-se que 13% da área terrestre terá mudanças ou transformações de bioma (tundras podem virar florestas, por exemplo). No cenário de 1,5°C, esse risco é reduzido para 4% da área terrestre.

Sob temperaturas mais altas, o permafrost apresenta um risco muito maior de derretimento, o que levaria à liberação desse carbono armazenado para a atmosfera.

Com o aquecimento de 2°C, 35% a 47% do permafrost do Ártico derreteria até 2100, uma área de terra equivalente a três quartos do tamanho da Austrália. Se o aquecimento fosse limitado a 1,5°C, a extensão do degelo do permafrost cairia para 4,8 milhões de quilômetros quadrados - ou cerca de 21% a 37% da área total do permafrost.

Oceanos

Os ecossistemas marítimos já estão se transformando e mudarão drasticamente mesmo com 1,5°C de aquecimento. No entanto, limitar o aquecimento a 1,5°C pode evitar muitos dos impactos que as altas temperaturas trariam.

Os recifes de coral, por exemplo, estão previstos para diminuir de 70% a 90% com um aquecimento de 1,5°C. Com mais meio grau de aquecimento, as perdas esperadas chegariam a mais de 99%. Queda de produtividade da pesca em baixas latitudes, acidificação, zonas mortas e outras condições perigosas são projetadas para serem mais pronunciadas com o aquecimento de 1,5°C. Por exemplo, um estudo citado no relatório constatou que a captura anual global da pesca marinha diminuiria em 1,5 milhão de toneladas com 1,5°C de aquecimento; sob 2°C essa perda cresceria para 3 milhões de toneladas.

Segurança alimentar

Prevê-se que os riscos de escassez de alimentos sejam mais baixos nas regiões do Sahel, da África Austral, do Mediterrâneo e da Amazónia com menos de 1,5°C de aquecimento do que seriam a 2°C. A pesca e a aquicultura também apresentam riscos menores se o aquecimento permanecer em 1,5°C.

Saúde

Os riscos para a saúde humana, incluindo morbidade e mortalidade relacionadas ao calor em áreas urbanas, são mais baixos com 1,5°C de aquecimento do que 2°C.

Crescimento econômico

As perdas econômicas são maiores à medida que as temperaturas sobem, com os países de renda média (como alguns da África e do Sudeste Asiático, Índia, Brasil e México) projetados para serem os mais afetados. Por exemplo, se o aquecimento for limitado a 1,5°C, as perdas no PIB global serão de 0,3% até 2100. Com 2°C de aquecimento, as perdas seriam de 0,5%.

É muito mais difícil limitar o aquecimento a 1.5˚C do que a 2˚C?

Manter tanto o limite de 1,5°C quanto de 2°C exigirá uma transformação sem precedentes em todas as economias, setores e regiões geográficas.

Para limitar o aquecimento a 1,5°C sem correr o risco de ultrapassar esse valor, o mundo precisa reduzir as emissões para 25 a 30 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) anuais em média até 2030. O mundo está atualmente a caminho de emitir mais que o dobro desse valor até 2030 (52 a 58 GtCO2e). Limitar o aquecimento a 2°C exigiria reduzir as emissões anuais em cerca de 20% abaixo dos níveis de 2010 até 2030. Para 1,5°C, as emissões precisarão cair de 40% a 50%. As emissões líquidas de dióxido de carbono precisarão chegar a zero por volta de 2050 para limitar o aquecimento a 1,5°C e por volta de 2075 para limitar a 2°C.

Mirando em 1,5˚C

Limitar o aquecimento a 2˚C evitará muitos impactos catastróficos da mudança climática, mas as consequências serão significativamente piores do que se pudermos limitar o aquecimento global a 1,5˚C. As necessidades de adaptação também crescem à medida que a temperatura aumenta. Essa diferença de meio grau exigirá um tremendo esforço. Mas, como mostra o relatório do IPCC, o esforço recompensará com pessoas, ecossistemas e economias mais seguros.