Caminhar foi o primeiro meio de locomoção da espécie humana e, ainda hoje, é o mais democrático deles. A caminhada estimula funções cognitivas, ajuda a prevenir o envelhecimento do cérebro e melhora nosso bem-estar. É caminhando lado a lado que lutamos por causas comuns e acendemos a criatividade. Neste Dia do Pedestre, reunimos estudos que mostram um outro lado dos benefícios da caminhada – associados não só à saúde física, mas também à mental.

Tudo, porém, começa no desenho das cidades.

Lugares caminháveis são agradáveis, despertam uma percepção de segurança e oferecem destinos onde as pessoas querem estar. A experiência ao caminhar é o que determina se essa será uma escolha das pessoas, trazendo consigo todos os seus benefícios.

O ambiente construído influencia nosso comportamento. A maneira como as ruas e bairros são desenhados afeta diretamente o estilo de vida, a saúde, a prática de atividade física e o bem-estar. Determinados atributos fazem com que um ambiente estimule a caminhada. Uma boa arborização deixa a temperatura mais amena e melhora a qualidade do ar, tornando o ato de caminhar mais agradável e convidativo. Calçadas amplas e adequadas incentivam as pessoas a caminharem, assim como uma boa iluminação. E as fachadas ativas (prédios com estabelecimentos no térreo) e o uso misto (bairros que mesclam diversas opções, como comércio, restaurantes, cafés e serviços) também atraem a circulação de pessoas.

Além dos benefícios já comprovados da caminhada como atividade física, nos últimos anos diversos estudos também têm se dedicado a avaliar os efeitos do caminhar em nossa saúde mental. Reunimos alguns exemplos.

As cidades devem planejar ambientes que estimulem a caminhada (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil)

Cognição

Pesquisas médicas indicam que caminhar pode trazer ganhos para saúde em um espectro amplo, desde prevenir doenças cardíacas até melhorar funções mentais e cognitivas. Uma pesquisa da Universidade do Kansas mostrou que a caminhada pode ter efeitos positivos na saúde cognitiva das pessoas. O estudo acompanhou 25 pacientes com níveis leves de Alzheimer e outros 39 adultos com deficiências cognitivas. Os resultados indicaram que aqueles que viviam em áreas de configuração menos complexa (com menos quadras e conexões, onde é preciso “virar” menos vezes à esquerda ou à direita) tiveram pior desempenho nos testes de cognição e mostraram mais dificuldade com a atenção e a memória verbal. Já os pacientes que viviam em lugares com maior conectividade, com mais caminhos e ruas interligados, tiveram melhor desempenho nos mesmos testes.

Criatividade

Pesquisas científicas também já revelaram que ambientes mais caminháveis também estão associados a estímulos à criatividade e até mesmo à participação social. Dois cientistas da Urban Innovation Analysis e da Universidade de Chicago avaliaram as relações entre caminhabilidade, criatividade e engajamento cidadão por meio de movimentos sociais. As conclusões apontam uma associação direta entre caminhar e índices mais altos de organizações artísticas, criatividade e engajamento.

Bem-estar e felicidade

Em 2017, Adriana Zuniga-Teran, cientista do Centro de Estudos de Políticas Públicas da Universidade do Arizona, mostrou que as pessoas são mais felizes e saudáveis em bairros onde podem caminhar e interagir com a vizinhança. A pesquisadora avaliou os efeitos do desenho urbano na saúde das pessoas. Para isso, entrevistou moradores de diferentes áreas e tipos de bairro – áreas mais afastadas do centro, condomínios fechados, bairros centrais com diversidade de usos, entre outros. As conclusões mostraram que as pessoas apresentam maiores níveis de bem-estar em bairros com mais áreas verdes e oportunidades de interação com os vizinhos.

Inteligência

Mais recentemente, em junho deste ano, o neurocientista Shane O’Mara lançou o livro In Praise of Walking, no qual reúne evidências dos benefícios da caminhada. O’Mara defende que caminhar nos torna mais saudáveis, felizes e até mais inteligentes, uma vez que o movimento do corpo estimula a criatividade, melhora o humor e diminui o estresse. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, ele afirma: “Nossos sistemas sensoriais têm seu melhor desempenho quando estamos nos movendo pelo mundo”. Conforme o neurocientista, o cérebro humano evoluiu para permitir e desenvolver o movimento; portanto, se pararmos de nos movimentar, ele não funcionará tão bem. Em seu livro, o autor explica que algumas das moléculas essenciais que nutrem o cérebro também são produzidas por atividades aeróbicas como a caminhada. Ou seja, caminhando estamos também estimulando sinapses e o funcionamento do cérebro.

Cidades mais caminháveis, pessoas mais felizes

São variáveis que se inter-relacionam. Pedestres tendem a caminhar mais em ambientes que estimulem esse hábito, oferecendo segurança, acessibilidade e atrativos. A sensação de bem-estar e os demais benefícios da caminhada na saúde física e mental aparecem como resultado da combinação desses fatores. Caminhar – em oposição a dirigir sozinho de um lugar a outro – contribui para aumentar as interações sociais entre vizinhos e este movimento, por sua vez, é o que cria, com o tempo, a sensação de familiaridade e pertencimento a determinado local. Bairros e cidades projetados na escala das pessoas incentivam a caminhada, potencializando essas interações, elevando o senso de comunidade e contribuindo, afinal, para a felicidade das pessoas.