Custos das Ruas Completas: de intervenções passageiras à mudança da realidade
Um dos aspectos que torna o conceito de Ruas Completas algo que qualquer cidade pode aplicar é a possibilidade de mudar o desenho de uma via sem um grande orçamento. Ao permitir intervenções intermediárias, a partir de materiais de uso temporário e baixo custo, como tinta, mobiliário, sinalização e outras alternativas, os projetos podem ser testados na vida real, antes que sejam feitos investimentos definitivos. Assim, a cidade pode experimentar e medir os impactos, para que as medidas definitivas façam jus ao investimento de recursos públicos mais elevados.
A Rua Joel Carlos Borges (fotos acima), na região da Berrini, em São Paulo, é um exemplo de como as cidades podem inverter a lógica de desenho urbano para que a rua manifeste sua vocação. Como o trânsito de pedestres naquela via é muito superior ao dos veículos – são 22 pedestres para cada carro – as calçadas foram estendidas com o uso de tinta verde e balizadores para a proteção dos pedestres.
Ao todo, a intervenção custou cerca de R$ 70 mil, incluindo a mão de obra de uma equipe contratada, da equipe da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e as tintas utilizadas, que nesse caso foram doadas. A ideia de requalificação começou em 2014, com o lançamento do Concurso 3 Estações, organizado pelo WRI Brasil em parceria com o USP Cidades, que convidou arquitetos e urbanistas a desenvolverem ideias para qualificar o entorno de três estações de trem de São Paulo: Berrini, Vila Olímpia e Santo Amaro.
A proposta vencedora para o entorno da Berrini foi desenvolvida pela Urb-i, que estimou os custos para implementar o projeto definitivo: um montante aproximado de R$ 2 milhões. Nesta estimativa estão incluídos o detalhamento do projeto, as consultorias para aprovações técnicas, as obras de infraestrutura e despesas indiretas para o acompanhamento das obras.
Em setembro do ano passado, Fortaleza experimentou a redistribuição do espaço na Avenida Central do bairro Cidade 2000 (fotos acima). Um grande trecho de asfalto, até então dominado pelos veículos e certa desordem, foi transformado apenas com o uso de tinta e mobiliário de baixo custo.
A intervenção foi projetada pela própria prefeitura e, como parte da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global (BIGRS), contou com o apoio do WRI Brasil, da Iniciativa Global de Desenho de Cidades (NACTO-GDCI) e da Vital Strategies. Com o investimento apenas nos materiais, que custaram cerca de R$ 11 mil, além de parcerias que viabilizaram mobiliário adiconal e atividades culturais, a experiência serviu para a prefeitura perceber a reação da população. Uma pesquisa realizada com 28 comerciantes e 251 pessoas que circulavam pela rua mostrou que a maioria dos comerciantes notaram um impacto positivo no seu negócio em função da intervenção.
A maioria dos passantes (possíveis clientes) chegaram ao local a pé ou de bicicleta e consideraram que as reformas na infraestrutura aumentaram a segurança da rua. No total, 86% das pessoas responderam que gostariam que aquela intervenção fosse definitiva. Entre os comerciantes, 64% responderam que acham que a intervenção pode impactar positivamente seu negócio.
Outros dados do questionário feito com as pessoas que circulavam na rua:
- 73% chegaram até a rua exclusivamente a pé ou de bicicleta
- 80% consideraram a segurança do local boa ou muito boa após a intervenção
- 76% consideravam a segurança do local ruim ou muito ruim antes da intervenção
Fonte: Prefeitura de Fortaleza e Unifor.
Prevista para ocorrer durante duas semanas, o novo desenho permaneceu por demanda da população. Após os resultados, a prefeitura decidiu fazer obras definitivas, que devem ser realizadas neste ano.
Ruas completas podem ser feitas com orçamentos já disponíveis
Incentivar Ruas Completas não significa necessariamente reformar todas as ruas de uma cidade, mas imaginar como a rua pode ser mais segura para todos que a utilizam e realizar modelos de investimento mais inteligentes. Projetos que favorecem todos os usuários de uma via podem custar o mesmo que intervenções viárias comuns, que priorizam apenas os veículos motorizados. Em uma obra de recapeamento de asfalto podem ser incluídos itens adicionais como a pintura de uma ciclovia ou de uma faixa de pedestres, por exemplo, aproveitando a mão de obra disponível e adicionando uma infraestrutura nova com baixo investimento.
Ruas Completas mudam a sociedade
Contar com uma sociedade mais saudável, reduzir mortes ou lesões sérias em acidentes, ter uma vitalidade que reflete em ganhos econômicos no comércio, entre outros benefícios, traz resultados para todas as áreas da administração municipal. Além de melhorias para a mobilidade, as Ruas Completas contribuem para a saúde pública, o meio ambiente e a equidade no acesso às oportunidades.
Ruas Completas têm valor de longo prazo
Ao oferecer uma visão de mobilidade sustentável e com olhos para o futuro, as Ruas Completas podem incorporar as mudanças de comportamento das novas gerações e estimular modos de transporte que contribuem para reduzir congestionamentos. O mais importante é dar a todas as pessoas várias opções de deslocamento e não incentivar apenas uma. Ao balancear os usos, essas vias também incentivam uma mudança de comportamento, diminuindo conflitos entre os diferentes usuários.