Graduada em Economia e mestra em Economia Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Luana Betti trabalha no WRI Brasil auxiliando cidades a encontrarem e fazerem uso de mecanismos de financiamento para seus projetos. Há três anos na organização, a especialista em Economia Urbana acredita que as cidades devem direcionar todos seus recursos em soluções sustentáveis e, assim, garantir competitividade no futuro.

Nesta edição do Conheça o Especialista, Luana explica como o WRI Brasil trabalha com financiamento, fala sobre o potencial dos instrumentos urbanísticos, entre outros temas.

Quando você optou pela graduação em Economia, você imaginava trabalhar com o financiamento de projetos visando à sustentabilidade nas cidades?

Trabalhar com financiamento em projetos de sustentabilidade nas cidades, na verdade, foi uma surpresa que o caminho me trouxe. Quando optei por fazer Economia, há 11 anos, o tema de sustentabilidade na área era muito incipiente, ainda estava engatinhando. Esse tema ficou mais latente a partir do momento em que eu estava no final da graduação e mais ainda no mestrado, quando a gente começa a discutir as diferenças entre o que é desenvolvimento econômico e o que é desenvolvimento humano. Então esse tema apareceu com mais força, e foi nesse momento que o WRI entrou na minha vida.

Em sua trajetória acadêmica, você trabalhou com questões de políticas públicas e desigualdade. Como você vê a relação entre a desigualdade social e econômica e o desenvolvimento urbano?

A desigualdade social e econômica e o desenvolvimento urbano estão inteiramente conectados. É na cidade que a desigualdade se torna mais visual, ela acaba se materializando no espaço urbano. Podemos mencionar até a clássica foto do Tuca Vieira, onde temos o (bairro do) Morumbi de um lado, com as grandes mansões, e temos Paraisópolis do outro, separados por um muro. A cidade é onde a desigualdade se potencializa. A forma como o desenvolvimento urbano é feito é capaz de determinar como essa desigualdade vai evoluir. Ela pode ser potencializada ou não conforme a cidade é configurada já que o acesso à oportunidade de educação, emprego e saúde vai ser determinada a partir da forma urbana.

Como o trabalho do WRI Brasil apoia as cidades na busca e captura de financiamento de projetos?

O WRI tem a visão de que o financiamento é o viabilizador das transformações que buscamos. Trabalhamos basicamente em dois níveis. O primeiro deles é apoiando as cidades. Quando uma cidade tem seus projetos de sustentabilidade, sejam eles de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), Ruas Completas ou projetos de BRT, procuramos oferecer apoio técnico para identificar os recursos disponíveis e quais os recursos potenciais que a cidade pode aplicar para implementar esses projetos e, com isso, construir um plano de negócios. O segundo nível em que trabalhamos é com pesquisa. Tentamos entender quais são os instrumentos mais inovadores, que possam viabilizar os projetos de sustentabilidade. A partir daí, trazemos informações sobre qual a potencialidade de aplicar esses instrumentos no Brasil e que impacto teriam nas cidades. Além disso, estamos com outra iniciativa se consolidando ao trabalhar com bancos multilaterais e bilaterais através da Rede de Financiamento de Infraestrutura Sustentável. Temos trabalhado em conjunto com diversos bancos nacionais e internacionais de desenvolvimento para entender como a gente eliminamos, facilitamos ou diminuimos as barreiras que as cidades encontram para acessar esses bancos e transformar os projetos em realidade.

Quais são as principais opções de financiamento para as cidades que ainda estão sendo mal aproveitadas?

Existe uma série de instrumentos de financiamento que são mal aproveitados pelas cidades. Principalmente em um momento em que temos uma redução da arrecadação tributária nas cidades, as formas de obtenção de recursos fora do orçamento se tornam muito importantes. O Estatudo da Cidade prevê diversos instrumentos relacionados ao desenvolvimento urbano que ainda são subaproveitados pelas cidades. Por exemplo, os mecanismos de recuperação da valorização imobiliária, como a Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODDC) ou a Contribuição de Melhoria, muitas vezes não são aplicados. Além disso, podemos citar o próprio IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), que em geral acaba muito mal utilizado, principalmente porque muitas cidades não atualizam suas plantas de valores com periodicidade. Temos cidades com décadas sem atualizar a Planta Genérica de Valores (PGV).

O que está no horizonte do financiamento de projetos urbanos? O que cidades e populações urbanas podem esperar?

Estamos enfrentando um contexto de restrição de financiamento bastante forte. Daqui para frente, será importante a redução do papel do setor público no financiamento de investimentos e transformações. O setor público vai passar a ter um papel mais de atrator do setor privado nos investimentos urbanos. O que podemos esperar é uma participação cada vez maior de parcerias público-privadas, ainda que essas sejam destinadas a um tipo específico de projeto. Além disso, para projetos menores, temos a questão do Contrato de Impacto Social, ou Impact Bonds, que é um arranjo institucional entre o setor público e investidores de impacto e provedores de solução, no qual o pagamento é feito a partir do resultado de impacto que foi alcançado. Existem também os instrumentos que não focam unicamente no financiamento, na arrecadação, mas tentam combater algumas externalidades. Nesse sentido, temos a Taxação do Congestionamento, uma solução adotada há muitos anos em Londres e em Singapura, mas que ainda está engatinhando na América Latina. São alguns desses instrumentos que iremos perceber a partir de agora.

Costumamos dizer que as decisões tomadas hoje definem como viverão as futuras gerações. Como garantir que os investimentos feitos hoje tragam retornos sustentáveis?

Não existe uma fórmula mágica para garantir que os investimentos feitos hoje tragam resultados sustentáveis no futuro. Na verdade, a questão é garantir que todo e qualquer recurso, que é escasso, seja direcionado para soluções sustentáveis e/ou que garantam a sustentabilidade, social, econômica e ambientalmente. Essas soluções sustentáveis já existem, mas é preciso direcionar todos os recursos para elas. As cidades que conseguirem investir dessa maneira hoje terão vantagens competitivas no futuro. Existem vários estudos que comprovam que, por exemplo, cidades com problemas no trânsito, e aquelas que sofrem com poluição do ar, reduzem a produtividade do trabalho. A questão de investir em sustentabilidade é crucial para determinar os resultados no futuro, tanto em termos de desenvolvimento econômico quanto de desenvolvimento urbano.