Carona a Pé está na final do Desafio InoveMob ao estimular a prática do caminhar nas crianças
“As pessoas precisam usar a cidade como um lugar de encontro, de vínculo, de laço. Acredito que estar com o outro é uma possibilidade de troca e de aprendizado. Acho que nossa maior habilidade é essa. Promover encontros e cuidar dessas relações para que elas sejam fortalecidas nesse caminhar.” Quem diz isso é Carolina Padilha, a idealizadora do Carona a Pé, iniciativa que surgiu da sua vontade de promover o caminhar das crianças do seu bairro nos trajetos até a escola. O que há três anos era apenas uma ideia simples, hoje é um projeto concretizado, em execução em duas capitais brasileiras e finalista do Desafio InoveMob.
Ações com o intuito de incentivar a caminhada das crianças à escola são realizados em muitos países como Dinamarca, Austrália, Reino Unido, entre outros. Diversos estudos mostram os múltiplos benefícios da prática, que envolve desde ganhos na saúde – não apenas em relação ao condicionamento físico, mas também no controle da ansiedade e ganhos de concentração – até benefícios para o desenvolvimento social das crianças. Dois programas semelhantes ao Carona a Pé ocorrem em Portugal, com o Pedibus, e o WalkingBus, nos Estados Unidos.
No Brasil, o Carona a Pé é um projeto pioneiro e foi iniciado na escola onde a Carolina leciona em São Paulo. Ela conta que ver todos os dias muitos dos seus alunos fazendo o mesmo trajeto que ela para a escola, às vezes sozinhos ou acompanhados por algum responsável, lhe gerava um sentimento de inquietação. “A gente estava indo para o mesmo lugar, para cumprir a mesma carga-horária, eu conhecia aquelas crianças, os pais delas. E todo mundo estava desconectado andando pela cidade e fazendo o mesmo caminho”, conta. A vontade de mudar aquele cenário a motivou a fazer o mapeamento das crianças que moravam próximas àquela escola e contatar os pais para que eles apoiassem a ideia para promover diariamente a carona a pé.
Essa primeira rota gerou conversas e, assim, outras começaram a se estabelecer. Parte fundamental do processo foi o apoio de duas mães, Renata Morettin e Juliana Levy, que se tornaram sócias de Carolina e hoje compõem a equipe do Carona a Pé. Com a missão de valorizar a relação dos pequenos com a própria cidade, o trio decidiu empreender e levar a ideia adiante para suscitar a transformação social em torno da mobilidade a pé.
Caminhadas diárias estimulam a amizade entre as crianças (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Segundo Carolina, a decisão de entrar no Desafio InoveMob surgiu com a vontade de validar e expandir o projeto de uma forma melhor estruturada. "Com o Desafio a gente aprendeu como sistematizar o trabalho, como se organizar, colocar prazos e metas. Acho que o Desafio trouxe a gente para um lugar de gestão da nossa organização que foi um salto qualitativo muito grande. Se antes a gente conseguia levar e fazer o Carona a Pé em uma escola, hoje a gente consegue levar para uma cidade inteira.
Essa cidade é Belo Horizonte, onde o Carona a Pé escolheu executar a etapa do projeto-piloto do Desafio InoveMob e conseguiu a implementação em sete escolas da rede municipal. A concretização do projeto na capital mineira foi viabilizada pelo trabalho conjunto entre a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) e a Secretaria Municipal de Educação (SMED). Os órgãos viram no Carona a Pé uma oportunidade de agregá-lo ao Programa Escola Integrada, que acomoda alunos em uma jornada diária de nove horas, no chamado contraturno escolar, e visa oferecer oficinas e cursos sobre cultura, esportes, lazer e formação cidadã.
“Belo Horizonte tem essa característica de cidade educadora. O que me encanta no Carona a Pé é o resgate do processo de circulação pela cidade em um tempo que possibilita dialogar. Transitando a pé você passa a conversar com o outro de uma perspectiva diferente, você passa a enxergar a comunidade de uma perspectiva diferente”, acredita Lucilene Alencar das Dores, gerente do Programa Escola Integrada.
“O projeto vem ao encontro do objetivo que temos de diminuir o uso do carro particular em prol dos transportes coletivos e do caminhar. O transporte a pé faz ela interagir com o outro e com o meio, o que faz ela desenvolver um olhar mais crítico para as questões sociais, as questões da cidade. Ao caminhar vai se construindo uma aprendizagem”, acrescenta Edina Lara, gerente de Educação para o Trânsito da BHTrans.
Ainda que esteja nos primeiros meses de execução, o projeto já recebe muitos elogios de educadores, pais e alunos. Com o envolvimento de todos esses atores, ganha força o sentimento de comunidade ao unir famílias vizinhas e elas ao ambiente escolar. “Acho que o projeto acaba criando pequenas pontes. Quando a criança chega em casa contando com quem foi para a escola, os pais ficam mais interessados em conhecer essas relações. Isso acaba trazendo a comunidade para dentro da escola e vice-versa”, diz Adrilene Mariza Muradas Nunes, assistente de coordenação da Escola Municipal Maria Assunção de Marco.
Isadora, Emily e Ruan vão todos os dias juntos para a escola (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
A mudança nos alunos é sentida por Aparecida Alves de Oliveira, coordenadora do Escola Integrada na Escola Municipal Maria Assunção de Marco. Desde os primeiros dias do Carona a Pé na instituição, ela observa uma postura diferente nos alunos que participam do projeto. “Eu vejo que mudou a maneira como eles estão lidando com as pessoas e os outros colegas, como estão observando e participando da escola.”
De acordo com Marcelo Almeida de Moura, coordenador do Escola Integrada na Escola Municipal Ana Alves Teixeira, o Carona a Pé vem ajudando também na redução da evasão escolar. “Eles vindo juntos para a escola, com uma pessoa que os pega nos horários certos, isso estimula a presença e a frequência, o que também está ligado ao aprendizado deles. Ajuda ainda a adquirir responsabilidades, é uma criança que cria hábitos de um cidadão mais solidário, que convive melhor com seus pares”, acredita ele.
Para as crianças, os trajetos diários são momentos para fortalecer laços de amizade, conversar e brincar. "Eu gosto de andar com todo mundo, acho muito bom porque a gente convive bastante. Todo mundo passa na rua e fica olhando, até elogia", conta Isadora Aleixo Pires, aluna da Escola Municipal Padre Flávio Giametta. "É muito interessante observar o quanto as crianças interagem. A gente acaba nem sentindo a distância da caminhada porque vamos batendo papo. É muito gostoso estar todo mundo junto", afirma Mônica de Carmo Aleixo, mãe de Isadora.
Para o próximo ano, a perspectiva é que o Carona a Pé continue e avance na cidade. "Estamos com a expectativa de que precisamos alcançar a cidade toda, que as três redes de educação possam se apropriar e querer desenvolver o projeto”, afirma Edina. “Um projeto educativo é a materialização de um sonho. Quando a gente tem empresas, iniciativas, instituições que fortalezam a materialização de um sonho, significa então a continuidade da construção da nossa sociedade dentro da perspectiva da coletividade que acreditamos”, exalta Lucilene.
Cada um dos cinco semi-finalistas do Desafio InoveMob recebeu US$ 20 mil para implementar o projeto-piloto. O vencedor vai ser conhecido no dia 5 de dezembro e receberá US$ 100 mil para dar escala ao seu projeto.
O Desafio InoveMob é promovido pela Toyota Mobility Foundation e pelo WRI Brasil em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP).