Algumas cidades estão taxando aplicativos de transporte. Isso é bom?
À medida que serviços de viagens sob demanda como o Uber e 99, entre outros, continuam a ganhar popularidade e a chamar atenção por seus impactos nos congestionamentos e outros males urbanos, cidades de diversas partes do mundo, de Washington a São Paulo, estão indo em direção ao inevitável próximo passo: taxas específicas.
Isso não é surpresa. Pesquisas recentes mostram que esses serviços estão contribuindo para a queda no uso do transporte coletivo e para o aumento de veículos individuais nas vias. No entanto, novos impostos e taxas não devem apenas elevar a arrecadação. Podem fazer mais do que isso: tornar as cidades mais habitáveis e os transportes mais sustentáveis. Se os serviços de viagens sob demanda forem taxados, essa receita deve ser usada com atenção, de maneiras que propiciem a melhora da mobilidade urbana como um todo.
Os impostos entram em cena
Diferentes governos já promulgaram ou estão considerando taxar esses serviços. As propostas variam de taxas fixas por deslocamento até impostos sobre um percentual das viagens nos sistemas que atendem determinados tipos e locais de deslocamentos.
Essas taxações podem assumir diferentes formatos. A Cidade do México, por exemplo, taxa 1,5% da tarifa da corrida; Washington, D.C., recentemente aumentou o imposto de 1% para 6% sobre o valor da corrida. Massachusetts cobra um imposto de 20 centavos a cada viagem. E Porto Alegre tem uma taxa mensal por veículo licenciado.
Melhorando a mobilidade
Se, por um lado novas taxas trazem novas receitas, por outro esses fundos não estão necessariamente facilitando os deslocamentos no ambiente urbano. Em Rhode Island (EUA), por exemplo, os recursos obtidos com a taxa de 7% cobrada sobre as viagens são enviados para o fundo geral do estado. Na Filadélfia, a taxa de 1,4% direciona dois terços do recurso para escolas e o restante para o órgão que gerencia as áreas de estacionamento na cidade. Esses impostos também não são altos o suficiente para estimular uma mudança de comportamento significativa, uma vez que o setor de transportes pode se mostrar menos sensível a preços mais altos.
Um imposto ou taxa sobre as viagens realizadas em serviços sob demanda – assim como sobre a circulação de veículos privados em geral – deveria melhorar os sistemas de transporte, como enfatizado pelos Princípios de Mobilidade Compartilhada para Cidades Humanas: “Todo veículo e modo de transporte deve pagar uma parcela justa pelo uso das ruas, pelos congestionamentos, pela poluição e pelo espaço ocupado para estacionamento. Essa tarifa deve levar em consideração os custos operacionais, de manutenção e sociais”.
As tendências de serviços da Nova Mobilidade ainda estão mudando, e continuarão nesse processo à medida que as tecnologias evoluem. Diante disso, elencamos algumas considerações que as cidades podem levar em conta para implementar taxas que não apenas arrecadem recursos, mas melhorem a mobilidade para as pessoas.
1. Incentivar deslocamentos mais sustentáveis. Qualquer debate sobre esse assunto deve começar pela reflexão sobre o trânsito como um todo, incluindo todos os tipos de veículos. Pessoas dirigindo seus carros continuam a dominar o trânsito e contribuindo para os congestionamentos em muitas cidades.
Lugares como Londres, Singapura e Estocolmo são conhecidos pela taxação de congestionamentos, mas nenhuma cidade já considerou de forma abrangente todos os serviços de viagens sob demanda. Alguns esforços, no entanto, estão começando a surgir. Nova York tentou implementar uma zona onde seriam cobradas taxas sobre esses serviços e também pela circulação de veículos em geral, mas o governo estadual recuou e implementou apenas a taxa sobre os serviços de viagens sob demanda.
Se as cidades vão taxar apenas o transporte sob demanda, deveriam também incentivar modos sustentáveis e a mobilidade compartilhada em detrimento dos deslocamentos de veículos com apenas um ocupante. Isso implica estabelecer taxas como uma porcentagem sobre o valor da corrida ou indexadas à distância percorrida, em vez de uma taxa fixa. Muitas cidades já estão seguindo nessa direção.
Além disso, as corridas compartilhadas podem ter uma taxa mais baixa do que as individuais – ou, ainda, as viagens individuais poderiam ser elas próprias tributadas, a fim de incentivar a prática da carona. Atualmente, tramita em Washington, uma proposta que visa reduzir a 1% a taxa sobre viagens compartilhadas.
2. Promover acesso e equidade. As taxas devem servir de incentivo para que o transporte atenda também áreas que carecem desse tipo de serviço, reforçando a conectividade na cidade. Mas, principalmente, não devem impedir que os serviços da nova mobilidade floresçam onde podem ser uma alternativa mais barata para os deslocamentos cotidianos.
São Paulo, a primeira cidade a regulamentar esse tipo de serviço no Brasil, aplica as taxas de acordo não apenas com os quilômetros rodados, mas com fatores de equidade, como se o motorista é mulher ou se o veículo é acessível a pessoas com deficiência. Viagens compartilhadas, feitas em veículos elétricos ou híbridos, fora do horário de pico ou aos fins de semana recebem descontos da taxa aplicada. Uma próxima consideração nesse sentido pode ser sobre como incentivar a integração com o transporte coletivo e o acesso a áreas não atendidas.
3. Investir as receitas em diferentes meios de transporte. Os recursos arrecadados com as taxas devem ajudar a melhorar sistemas de mobilidade. É importante investir em outros modos além do transporte coletivo. Melhorar a as condições de segurança viária, construir ciclovias e qualificar ou ampliar os espaços destinados aos pedestres são formas de estabelecer uma abordagem holística para o transporte urbano.
Em Washington, a taxa de 6% sobre as corridas ajudará a financiar a agência de transporte da região metropolitana, mas os recursos ainda estão restritos ao transporte coletivo e não a estimular a caminhada e o uso da bicicleta. Já em Fortaleza, por exemplo, a taxa de 2% sobre as viagens é reduzida a 1% para empresas que contribuem com infraestruturas de mobilidade, como calçadas, faixas de ônibus, ciclovias e estações de compartilhamento de bicicletas.
De forma irônica, um guia útil pode ser justamente a experiência de Londres com a taxação de congestionamento, que não é aplicada aos veículos de serviços de viagens sob demanda. Para reduzir o trânsito em áreas muito congestionadas, como a zona central, a cidade cobra de todos os carros que entram na área e utiliza os recursos arrecadados, de 1,7 bilhão de libras (8,3 bilhões de reais), para qualificar o transporte coletivo, melhorar a segurança viária e os deslocamentos a pé e de bicicleta. Recentemente, porém, a Transport for London propôs uma extensão dessa taxa também para os veículos de transporte sob demanda.
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Ben Welle é gerente global de Saúde % Segurança Viária do WRI Ross Center for Sustainable Cities
Guillermo Petzhold é especialista de Mobilidade Urbana do WRI Brasil
Francisco Pasqual é estagiário de Mobilidade Urbana do WRI Brasil
Publicado originalmente no WRI Insights.
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