Soluções baseadas na natureza (SBN) são ações promissoras para adaptar as cidades às mudanças climáticas e enfrentar desigualdades históricas, mas avançam lentamente no Brasil. Uma das razões é cultural: habituados a projetos de engenharia convencional, municípios e financiadores precisam reconhecer o potencial da infraestrutura verde. Outra barreira, não menos importante, é a capacidade de demonstrar os custos e os benefícios dos projetos e, assim, engajar atores-chave para seu financiamento e implementação. 

logo do Acelerador de SBN

Este artigo compartilha conhecimentos do Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades. Clique aqui para saber mais sobre a iniciativa.

Para ajudar nesse processo, existe o modelo de negócio. O nome pode destoar do que se espera de um projeto do setor público, como costumam ser as SBN. Mas essa ferramenta criada pelo setor privado pode ser um trunfo de projetos inovadores como as SBN. O modelo de negócio define como diferentes elementos funcionarão em conjunto para gerar o benefício esperado para diferentes grupos e em diferentes áreas. Um bom modelo de negócio proporciona uma visão sistêmica do planejamento e facilita a comunicação e o convencimento sobre o valor e o impacto dessas soluções, nem sempre de fácil mensuração.

Modelos de negócio para projetos de impacto

A principal ferramenta para modelagem de negócios é o Business Model Canvas. Trata-se de uma representação visual do empreendimento. Este canvas (termo em inglês para "tela de pintura") apresenta, organizados em uma tabela, os elementos determinantes para a viabilidade operacional e financeira do negócio, como clientes, atividades-chave para a produção e venda de um produto e os recursos humanos e financeiros necessários. 

O formato visual do canvas favorece a criação e o planejamento colaborativos e por isso tem sido adaptado para várias outras finalidades – incluindo as soluções baseadas na natureza. Organizações especializadas em projetos de impacto criaram o Modelo C – uma adaptação que integra ao canvas elementos cruciais para demonstrar o valor que projetos socioambientais pretendem gerar e entregar para a sociedade. Estes campos adicionais formam a teoria da mudança: um fluxo de informações que detalha os desafios que um projeto busca solucionar, as estratégias que pretende implementar, os benefícios de curto prazo e o impacto de longo prazo dessas ações. 

O Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades do WRI Brasil trabalhou com os projetos acelerados em uma versão adaptada do Modelo C. O fluxo de viabilização do projeto tem como foco os custos e as fontes de recursos que garantirão a viabilidade financeira do projeto. Em alguns casos, pode prever a geração de receitas dentro do projeto – por exemplo, com a exploração de espaço publicitário em jardins de chuva, ou a concessão de pontos comerciais em um parque multifuncional. A teoria de mudança demonstra os problemas e desafios urbanos que a SBN vai abordar, e os benefícios – por vezes difusos – que serão gerados para diversos grupos na construção do impacto duradouro.
 
 

canvas de modelos de negócios para SBN

Estrutura inspirada no Modelo C combina teoria da mudança e fluxo de negócio (fonte: FGVces)

Alguns elementos dos dois fluxos estão conectados – o contexto do problema está ligado à oportunidade de geração de valor; os públicos impactados muitas vezes são os mesmos; a proposta de valor está diretamente relacionada às estratégias e intervenções que serão implementadas.

Por que estruturar um modelo de negócio para SBN

Um bom modelo de negócios significa que o proponente levantou dados e informações relevantes e analisou a viabilidade e o impacto do projeto em diferentes níveis e a partir de diferentes pontos de vista. Soluções baseadas na natureza são projetos inovadores, de médio a longo prazo, e disputam recursos com outras prioridades da administração pública. 

Um bom modelo de negócio ajuda os proponentes a estruturar o projeto, acessar financiamento e a garantir a melhor entrega dos serviços e benefícios para a população de forma sustentada. A ausência de um modelo de negócios, por outro lado, gera pontos cegos que podem condenar uma boa ideia ao fracasso. 

Confira a seguir cinco bons motivos para investir na construção de um modelo de negócio robusto.

1. Demonstrar o custo-benefício das SBN

Projetos de SBN buscam solucionar desafios ambientais, sociais e econômicos de forma eficiente e adaptativa, e são reconhecidos por oferecerem custo-benefício e custo-efetividade superiores à infraestrutura cinza. Há evidências de que SBN são 50% mais baratas do que projetos de engenharia convencional equivalentes. Porém, muitos dos múltiplos benefícios das SBN – como aumentar a resiliência de comunidades, regular a temperatura local e aumentar a qualidade de vida – são difusos, de valor intangível. O Modelo C permite evidenciar esses benefícios e atrair financiamento.

canvas com projetos de sbn
Exemplo de canvas realizado durante evento do Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades (foto: Victor Kobayashi-Yantra Imagens/WRI Brasil)

Embora possam incorporar elementos que gerem receita, muitas SBN têm como principal benefício os custos evitados: com danos por eventos climáticos extremos, com internações por doenças decorrentes do sedentarismo e da poluição, com vidas perdidas. Segundo Mariana Nicoletti, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (FGVces) e mentora do Acelerador de SBN em Cidades, o modelo de negócio pode incorporar esses resultados. 

“Um exemplo de como fazer esse cálculo é olhar para o histórico [de danos causados por eventos climáticos extremos] e analisar quais as perdas e custos causados por inundações, enchentes e ondas de calor para a saúde pública, e fazer uma projeção para o futuro com base no valor presente. Apresentar essa informação pode ser um importante aliado para convencer parceiros e investidores”, afirma.

2. Promover o planejamento integrado da solução 

A elaboração do modelo de negócio é uma oportunidade para que as partes envolvidas trabalhem juntas pela criação de uma visão comum sobre os desafios a serem enfrentados, que concilie as expectativas de diferentes parceiros e setores do governo e da sociedade. Também permite identificar sinergias entre políticas e metas de diferentes departamentos. 

Trata-se de um processo de construção coletiva, que deve colher informações e ouvir as perspectivas da comunidade impactada, das diversas secretarias e órgãos municipais interessados e de outros grupos da sociedade, como o setor privado e a academia. Esse processo fortalece a visão sistêmica, a identificação dos riscos, mas também dos potenciais do projeto. Além disso, facilita o alinhamento das responsabilidades e atribuições, o que é crucial para o sucesso das soluções baseadas na natureza em cidades. 

3. Garantir a viabilidade operacional do projeto

O modelo de negócios elimina pontos cegos no planejamento e garante que as atividades-chave previstas estão cobertas pelos recursos alocados. Essa compatibilização entre entrega de valor e capacidade organizacional pode diferenciar uma SBN bem-sucedida de um parque abandonado ou de um sistema de drenagem que deixe de cumprir sua função. 

Para Mariana Nicoletti, este é um dos grandes gargalos dos projetos de SBN. “Pensa-se bem no investimento inicial, mas o custo da manutenção é muitas vezes subdimensionado".

4. Mapear atores e definir governança 

A modelagem também é um diferencial por incluir o mapeamento de atores relevantes para a viabilização do projeto. Se realizado desde os primeiros estágios, este mapeamento ajuda a identificar apoiadores e opositores do projeto e permite o planejamento de ações de engajamento para reduzir oposições e identificar sinergias. Um projeto com mais apoio e parcerias tende a ter mais sustentação ao longo do tempo.

A partir do engajamento com as partes envolvidas mais diretamente no projeto, deve-se definir as responsabilidades e atribuições de cada uma para a continuidade do projeto e a obtenção dos benefícios esperados. Em projetos de SBN, é comum que os beneficiários sejam também parceiros-chave do projeto. Por exemplo, a comunidade e o comércio do entorno se beneficiam de parques multifuncionais e podem ser parceiros da manutenção e informar a avaliação dos benefícios. A população que colhe alimentos de uma horta comunitária ou municipal frequentemente é também responsável por regar, adubar e zelar pelos plantios.

5. Reduzir a percepção de risco e aumentar a chance de financiamento

Por oferecerem uma visão estruturada dos custos, benefícios e da governança do projeto, modelos de negócio robustos são uma vantagem competitiva para o acesso aos fluxos crescentes de financiamento verde e climático – um montante bilionário que ainda é pouquíssimo acessado por projetos de SBN. 

Um estudo do instituto Nature4Cities constatou que, em 2018, o setor público financiava a maior parte das SBN com apenas 9% do financiamento vindo de instituições financeiras. “Diversificar as fontes de financiamento é o grande desafio para as SBN hoje. E é o modelo de negócios que vai ajudar a mudar a percepção de risco dos negócios de impacto (socioambiental como as SBN). Parceiros e investidores têm receio de entrar em áreas novas, como projetos de infraestrutura verde, então é muito comum que escolham apostar no que já conhecem, a infraestrutura cinza”, afirma Mariana. 

O modelo de negócio reduz essa incerteza, ao definir de forma clara o mapeamento de competências necessárias para colocar a solução em operação e demonstrar entendimento da equipe proponente sobre os riscos, benefícios e custos evitados por um projeto.

Construção coletiva e contínua

Não há apenas uma forma de elaborar um modelo de negócio. A iniciativa de elaborá-lo tem, em si, um valor, já que se trata de um processo colaborativo, de idas e vindas, em busca de uma visão comum. O formato visual do canvas permite compreender “o todo” do projeto, mas também como os diferentes elementos se relacionam.

É importante que se revisite os diferentes pontos a partir de uma visão holística do modelo, para garantir a clareza e a coerência entre os pontos. Mais do que uma boa ideia, deve-se buscar uma ideia viável, sem perder de vista os benefícios e impactos que se quer gerar para as comunidades, a cidade, o meio ambiente e o clima. O modelo de negócio é um caminho para chegar lá.