Este artigo foi publicado originalmente no Insights.


A pandemia de Covid-19 e a crise econômica decorrente devem colocar dezenas de milhões de pessoas de volta na pobreza e prejudicar os esforços para melhorar o bem-estar pelo mundo. E, por pior que as coisas estejam, essa é apenas uma amostra de como a crise climática e a destruição da natureza ameaçam nossas economias e sociedades.

Ainda assim, nós temos todos os meios necessários para optar por um caminho melhor e mais seguro. Se os países desenvolverem seus planos de recuperação econômica com sabedoria, podem combater a pandemia e a crise climática ao mesmo tempo. Temos uma pequena janela de oportunidade disponível para não apenas nos recuperarmos, mas nos recuperarmos melhor. Ninguém quer voltar a uma sociedade com altos índices de desemprego, insegurança alimentar, destruição sem controle da natureza, congestionamentos e ar poluído. Essa é uma oportunidade única de repensarmos nossas economias e sociedades para que sejam mais resilientes a impactos globais, mais sustentáveis e não deixem ninguém para trás.

O WRI e o Ministério Federal Alemão do Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) concluíram recentemente uma série de diálogos globais sobre como o mundo pode responder à crise da Covid-19 de forma alinhada às metas do Acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Essas conversas reuniram diversos pensadores de institutos de pesquisa, fundações, organizações internacionais e organizações da sociedade civil do mundo todo.

Pensamentos relevantes desse encontro estão reunidos no Resumo do Diálogo Global do BMU e do WRI para a Formulação de Políticas, entregue aos governantes em tempo para a reunião ministerial de 3 de setembro, na qual foi lançada a Plataforma de Redesenho 2020 (em inglês, Platform for Redesign 2020), uma iniciativa liderada pelo Ministério do Meio Ambiente do Japão com apoio da UNFCCC. Essa é uma oportunidade decisiva para que representantes de alto nível de governos e outros atores troquem opiniões sobre como integrar a sustentabilidade e a resiliência nos programas de recuperação econômica.

Esperamos que os governos aprendam com o conhecimento reunido pelo Diálogo Global do BMU e do WRI e não apenas manifestem palavras de solidariedade, mas promovam ações ambiciosas para combater a crise da Covid-19 e a crise climática ao mesmo tempo.

Aqui estão 5 mensagens-chave do Diálogo Global:

1. As pessoas precisam estar no centro das ações para uma recuperação verde e resiliente

Os impactos da pandemia e do bloqueio econômico levaram a um profundo declínio nos ganhos de desenvolvimento, afetando de maneira desproporcional as pessoas, comunidades e países mais vulneráveis e de baixa renda. As disparidades foram acentuadas entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento – esses passaram por uma tempestade de desemprego, fuga de capital, perda de mercadorias e dívida crescente, levando à maior contração econômica em décadas.

Considerados esses impactos sem precedentes, os países precisam buscar uma rota de recuperação que coloque o bem-estar das pessoas no centro. O foco precisa estar nos empregos, meios de subsistência, medidas de resiliência e proteção social. Para fazer isso do jeito certo, precisamos de uma abordagem que olhe para essas questões de forma minuciosa, a fim de entender quais trabalhadores, comunidades e geografias foram mais afetados e como investimentos e políticas de recuperação e apoio feitos “sob medida” podem ajudá-los.

Importante: é preciso garantir que as comunidades locais ajudem a moldar sua própria recuperação. Diálogo e participação social são fundamentais para o processo. Como atestado por um representante dos grupos de base nos diálogos, a resposta deve ser buscada “conosco, e não por nós”.

2. Os governos precisam aumentar os investimentos em uma recuperação verde

Embora alguns países estejam mostrando o caminho com planos de recuperação resilientes e verdes – em particular na Europa e em alguns países em desenvolvimento, como a Jamaica –, outros utilizam abordagens mistas ou até mesmo rumam na direção errada. Precisamos ir além da retórica e assegurar que os países façam investimentos substanciais para redesenhar o setor de energia, as construções, os sistemas de transporte e alimentos e, com isso, nos coloquem em um caminho de transformação. Ao mesmo tempo, precisamos evitar “socorros corporativos”, investimentos e mudanças regulatórias baseados em medidas de alto teor de carbono, o que vem acontecendo em muitas instâncias e pode desencadear um volume de emissões perigoso ao longo dos próximos anos.

Precisamos assegurar que os investimentos e políticas de recuperação de fato atinjam tanto objetivos de curto quanto de longo prazo. Métricas claras de sustentabilidade, junto a revisões contínuas para promover a transparência, são essenciais.

3. Construir resiliência é fundamental para uma recuperação efetiva

A crise da Covid-19 mostrou que a resiliência é fundamental no que diz respeito a desafios como saúde, clima, biodiversidade, alimentos e a construção de sociedades mais inclusivas. Embora alguns planos de recuperação tenham começado a incluir ações climáticas em setores como os de energia renovável e construções, pouca atenção tem sido dada ao fortalecimento da resiliência diante dos impactos das mudanças climáticas e à necessidade de priorizar soluções baseadas na natureza. Aumentar a resiliência pode variar desde o uso de sementes resistentes e sistemas de irrigação mais eficientes que ajudem os agricultores a se adaptarem a secas extremas, até a restauração de florestas de mangue que ajudam a amortecer a alta das marés e a proteger as comunidades de fortes tempestades. Um importante relatório da Comissão Global de Adaptação destaca os significativos benefícios econômicos de investir em resiliência. Relações custo-benefício variando de 2:1 a 10:1 são comuns em muitos investimentos em resiliência climática.

4. Crises globais com frequência são interligadas

Ao longo dos últimos 20 anos, uma série de crises – financeiras, climáticas, de saúde, de refugiados – deixaram clara a interdependência entre setores e fronteiras. Essas crises também são interligadas entre elas; o avanço humano desenfreado em áreas naturais, por exemplo, é uma das causas de pandemias zoonóticas.

Para reduzir o risco e gerenciar melhor crises futuras, precisamos reconhecer essas relações. Isso exige estabelecer as parcerias certas para alcançar os tomadores de decisão (como ministros de fazenda) além da “bolha” climática e construir alianças robustas com outros movimentos e setores, como aqueles ligados a saúde, trabalho, desigualdade e natureza. Além disso, o processo de recuperação deve alavancar compromissos e ações para a próxima década, catalisados pelo Acordo de Paris, pela Convenção sobre Diversidade Biológica e pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

5. Cooperação internacional e solidariedade são cruciais

Os países precisam trabalhar juntos para superar desafios que vão além das fronteiras nacionais. Nações em desenvolvimento vão precisar de recursos adicionais para que possam se recuperar melhor. Instituições bilaterais de cooperação para o desenvolvimento e instituições financeiras como o FMI e bancos multilaterais de desenvolvimento devem desempenhar um papel-chave para preencher essa lacuna. O financiamento privado para cidades e infraestruturas verdes e resilientes precisa aumentar. Mercados financeiros locais precisam ser fortalecidos. Muitos países em desenvolvimento vão precisar reestruturar ou cancelar suas dívidas. A cooperação internacional e a solidariedade precisam aparecer em tempos de crise.

Redefinindo crescimento e desenvolvimento

Construir uma recuperação inclusiva, verde e resiliente é um desafio global urgente e compartilhado. A crise da Covid-19 oferece uma oportunidade única de envolver as pessoas no pensamento sobre o tipo de crescimento que desejamos e sobre a importância de tornar o bem-estar humano, social e planetário o centro de todas as nossas políticas e instituições.

A aposta é alta, mas, como a pandemia e o bloqueio dela decorrente mostraram, intervenções extraordinárias são possíveis. Em quase todos os lugares, proteger a saúde humana se tornou prioridade na elaboração de políticas e nos investimentos públicos. Assim que isso aconteceu, experimentamos um mundo diferente: melhor qualidade do ar e da água, menos tráfego e ruídos e, em geral, um maior envolvimento com a comunidade, a família e a natureza. As perdas e dores severas da crise não podem ser subestimadas, mas essas experiências podem ser vistas como uma espécie de cartão postal do futuro – uma forma de nos ajudar a reconhecer o futuro que queremos.

Pacotes de estímulo estão sendo planejados com rapidez e a urgência nas ações é justificável. Se quisermos realmente nos recuperarmos de uma maneira que responda às crises climática e de biodiversidade e avance os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, precisamos reunir evidências e obter apoio público e político em um ritmo ainda mais rápido. A reunião ministerial sediada no Japão esta semana é uma oportunidade decisiva para colocar o mundo em um caminho melhor.


Norbert Gorissen é vice-diretor geral do Ministério Federal Alemão do Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (BMU).