Apesar da pandemia de Covid-19 ter adiado a COP26 até novembro de 2021, os negociadores da ONU ainda estavam trabalhando duro ainda em 2020. Depois de uma série de eventos virtuais em junho do ano passado, mais de três mil delegados de países concluíram os Diálogos sobre o Clima, um conjunto de 80 encontros virtuais em que os países revelaram, revisaram e discutiram questões pendentes nas negociações internacionais sobre o clima.

Desde o início, os países concordaram que os diálogos não incluiriam as negociações formais que normalmente ocorrem nas COPs e não levariam a quaisquer decisões oficiais. Em vez disso, os diálogos abordaram eventos que os países haviam determinado previamente que ocorressem em 2020 e outras trocas informais. Os diálogos serviram como uma plataforma para os países e atores não estatais fazerem um balanço do progresso geral da ação climática em 2020 e ofereceram um espaço informal para que os negociadores compreendessem melhor questões pendentes em sua preparação para retomar as negociações em 2021.

Os Diálogos sobre o Clima criaram uma boa via para manter diversas questões no foco dos debates, incluindo assuntos determinados pelos países e outros menos sensíveis politicamente. Também foram cruciais para promover uma implementação efetiva e inclusiva do Acordo de Paris, incluindo considerações sobre gênero, povos indígenas, capacitação e empoderamento para a ação climática.

Alguns tópicos podem constituir ou interromper as negociações na COP26. A seguir, quatro questões que exigem uma quantidade substancial de trabalho técnico e capital político até novembro:

1. Finalizar as regras do Acordo de Paris

Até o final da COP26, os países precisam resolver detalhes de três áreas no escopo do livro de regras do Acordo de Paris.

Estabelecer prazos comuns para os compromissos climáticos nacionais

Os países ainda não chegaram a um acordo para estabelecer prazos comuns me suas NDCs, incluindo as metas. Durante a COP25, em Madri, também não concordaram em sincronizar as metas das NDCs com o ciclo de ambição de cinco anos do Acordo de Paris, o que exigiria definir um mesmo prazo final para as NDCs (prazo esse que também determina quanto dura o período de implementação). Os países também não conseguiram chegar a um acordo sobre quando tomar essa decisão, pois alguns argumentaram que não havia urgência. Os Diálogos sobre o Clima deram continuidade à troca de opiniões para entender melhor quais fatores poderiam prevenir ou possibilitar a decisão, já atrasada. Durante o evento aberto, os países manifestaram o desejo de concluir essas negociações até a COP26.

Fortalecer as exigências de transparência

Ainda há muito trabalho a ser feito até que os negociadores finalizem os detalhes técnicos da versão aprimorada da estrutura de transparência do Acordo de Paris, que visa responsabilizar os países por seus compromissos climáticos. As decisões pendentes incluem especificações das tabelas e formatos que os países usarão para acompanhar e reportar suas emissões de gases de efeito estufa, ações climáticas e de apoio. Durante as nove horas dos Diálogos sobre o Clima, os negociadores tentaram identificar potenciais concessões nas abordagens que possam permitir alguma flexibilidade e, ao mesmo tempo, assegurar uma contabilidade robusta dos esforços dos países. Os negociadores ainda precisam de mais tempo para trabalhar os vínculos entre a estrutura de transparência do Acordo de Paris e as disposições para o uso do Artigo 6.

Além disso, durante os Diálogos sobre o Clima, 27 países (dez desenvolvidos e 17 em desenvolvimento) – incluindo União Europeia, Austrália, China, Brasil, África do Sul, Singapura, Indonésia, Colômbia, Namíbia e Costa do Marfim – tiveram seus esforços individuais e o progresso já obtido de suas metas examinados nas trocas com seus pares em um processo chamado “avaliação multilateral” para países desenvolvidos e “compartilhamento facilitado de pontos de vista”. Essa troca se deu com base em seus relatórios de transparência recentes e de acordo com análises e revisões técnicas de especialistas. Durante as sessões, os países compartilharam suas experiências no cumprimento dos padrões de transparência, no acompanhamento do progresso de seus compromissos e responderam a perguntas escritas e orais feitas por outros países.

Determinar como funcionarão os mercados de carbono (Artigo 6)

Negociações pendentes sobre o Artigo 6, em particular sobre os mercados de carbono, vão continuar sendo um foco importante. A UNFCCC sediou diversas conversas fechadas para avaliar como os países poderiam chegar a um consenso. Considerando que falharam as tentativas de acordo na COP25, as principais questões de 2019 continuam sem solução: como evitar a dupla contagem (assegurar que as reduções de emissões usadas nas transferências de carbono não sejam contadas duas vezes); como garantir a mitigação, de forma geral, das emissões globais (de forma que o Artigo 6 não seja apenas uma ferramenta de compensação, mas que de fato leve a reduções de emissões); como uma taxa sobre as transações pode financiar os esforços de adaptação; e como esclarecer se os créditos pré-2020 gerados pelo Protocolo de Quioto podem continuar sendo aplicados às metas de emissões do Acordo de Paris. Na sequência da falta de decisão na COP25, normas fracas foram endossadas pela Organização Internacional da Aviação Civil e pela Organização Marítima Internacional, o que poderia minar esforços mais ambiciosos no setor. É imperativo que os países cheguem a um compromisso sólido na COP26.

2. Construir resiliência e lidar com as perdas e danos

Durante os Diálogos sobre o Clima, o Comitê de Adaptação e o Comitê Executivo do Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos (WIM ExCom, na sigla em inglês) forneceram atualizações do progresso do trabalho requisitado na COP25.

Meta de adaptação

Em Madri, os países solicitaram que o Comitê de Adaptação determinasse como avaliar o progresso coletivo na meta global de fortalecer a resiliência climática e aumentar a capacidade de adaptação aos impactos negativos das mudanças no clima. Em 2020, o Comitê de Adaptação começou a estudar abordagens para produzir um relatório técnico preliminar incluindo abordagens, informações e metodologias para avaliar o progresso no aumento da capacidade de adaptação, o fortalecimento da resiliência e a redução da vulnerabilidade às mudanças climáticas. O processo está atrasado, e serão necessárias oportunidades adicionais para debater o relatório e definir as métricas antes que tenha início, em 2022, o balanço global (global stocktake) dos esforços coletivos dos países em direção à meta de longo prazo do Acordo de Paris.

Perdas e danos

Um dos principais resultados em termos de perdas e danos em Madri foi o estabelecimento de um grupo de especialistas em ação e apoio para lidar com essas questões até o final de 2020. Uma das responsabilidades do grupo é trabalhar junto ao Comitê Permanente de Financiamento e ao Fundo Verde para o Clima para esclarecer de que forma os países em desenvolvimento podem ter acesso a financiamento para perdas e danos. Os termos de referência para esse grupo de especialistas foram pactuados durante a reunião do WIM ExCom em outubro de 2020, e deverão ser incorporados em um plano de ação.

A COP25 também levou à criação da Rede de Santiago para Perdas e Danos, que deve catalisar a assistência técnica necessária para combater o problema. As partes envolvidas ainda estavam divididas durante os Diálogos sobre o Clima em relação a que tipo específico de assistência a rede deveria oferecer e como deveria ser estruturada para cumprir suas funções. Países em desenvolvimento enfatizaram a necessidade de uma plataforma facilitadora para networking que os conectasse com especialistas e fornecedores de assistência técnica, enquanto os países desenvolvidos promoveram/defenderam o uso de estruturas e órgãos existentes, assim como de redes e estruturas externas.

3. Financiar a ação climática

O financiamento público para a ação climática tem mostrado pouco progresso e significativos sinais de desconfiança. De acordo com relatórios da OCDE e da Oxfam, já em 2018 os países desenvolvidos não estavam mais no ritmo certo para cumprir o compromisso de mobilizar US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para os países em desenvolvimento a partir de 2020. Os esforços públicos para mobilizar financiamento privado em países em desenvolvimento também pararam. Os relatórios destacam ainda a contínua falta de apoio à adaptação, que recebe apenas cerca de um quarto do financiamento público total para o clima. Essa situação faz com que o compromisso do Acordo de Paris de equilibrar o financiamento entre mitigação e adaptação continue não cumprido, enquanto os impactos das mudanças climáticas continuam crescendo, o que afeta principalmente os mais vulneráveis.

Considerando as projeções preocupantes em relação aos US$ 100 bilhões, é essencial que os países desenvolvidos deem indicações claras de como pretendem aumentar o financiamento para cumprir essa meta nos próximos anos. A União Europeia é o único grupo de países desenvolvidos que apresentou a comunicação bienal inicial – conforme determinado pelo Acordo de Paris – sobre a previsão futura de financiamento climático. Essas comunicações, obrigatórias para todos os países desenvolvidos, precisavam ser entregues antes do final de 2020. São as primeiras submissões formais que os países desenvolvidos precisam apresentar no âmbito do Acordo de Paris e podem desempenhar um papel importante para garantir aos países em desenvolvimento que os compromissos financeiros serão cumpridos. Deixar de fazer isso prejudicará a confiança de forma significativa.

Como parte dos Diálogos sobre o Clima, o workshop sobre financiamento climático de longo prazo apresentou uma visão geral do status da mobilização e entrega do financiamento climático, sua eficácia, percepções e lições aprendidas nos últimos anos. De modo geral, os países desenvolvidos não conseguiram dar indicações claras, durante os diálogos, de apoio inabalável para as necessidades crescentes e urgentes dos países em desenvolvimento. A decisão do Reino Unido, em 25 de novembro de 2020, de reduzir sua ajuda oficial de 0,7% para 0,5% do RNB (rendimento nacional bruto) enviou um sinal negativo. A notícia se somou à grande preocupação, entre os países em desenvolvimento, de que o foco dos países desenvolvidos tenha mudado para as iniciativas de financiamento privado, com pouca atenção para o financiamento público, cuja entrega está atrasada.

Como ficou evidente ao longo da pandemia, recursos públicos são essenciais em uma crise, uma vez que oferecem estabilidade e suporte em áreas em que o setor privado não pode atuar. O mesmo vale para as mudanças climáticas, e os países em desenvolvimento buscam a garantia de que os países desenvolvidos vão manter seus compromissos de financiamento. A COP26 vai ter uma agenda ocupada em termos de financiamento, incluindo o início das negociações a respeito de uma nova meta coletiva, com a qual precisam concordar antes de 2025. É essencial que os países desenvolvidos reafirmem seu comprometimento em aumentar o financiamento climático público ao longo do próximo ano para construir confiança antes da próxima rodada de negociações.

4. Avançar para a Década da Ambição

Uma mesa redonda de dois dias foi realizada durante os Diálogos sobre o Clima para avaliar o progresso feito pelos países no período pré-2020, principalmente em termos de mitigação, adaptação e financiamento. Muitos países, principalmente as nações em desenvolvimento, ainda consideravam que não havia tempo suficiente para discutir as lacunas de implementação deixadas pelos países desenvolvidos e as implicações dessas lacunas no futuro. Ainda não está claro como os debates da mesa redonda vão impactar a segunda revisão periódica da meta de longo prazo da Convenção para a temperatura global e o primeiro balanço global (global stocktake), no qual os países devem revisar a adequação dessa meta, bem como o progresso geral dentro do Acordo de Paris.

Próximos passos rumo à COP26

Em um aspecto mais positivo do cenário, o dia 12 de dezembro de 2020 marcou o aniversário de cinco anos da adoção do Acordo de Paris, com a realização de uma cúpula reunindo as lideranças, cossediada pelas Nações Unidas, a presidência da COP26 e a França, em colaboração com Chile e Itália. Na ocasião, muitos líderes mundiais demonstraram compromissos mais ambiciosos. A perspectiva de NDCs fortalecidas – com metas de mitigação mais ambiciosas para 2030 e 2050 – é promissora. A UNFCCC publicará um relatório-síntese em duas partes, reunindo o progresso coletivo em direção às metas do Acordo de Paris, com base nas NDCs submetidas. O relatório será atualizado antes da COP26 para considerar também as NDCs comunicadas este ano e oferecer um panorama mais amplo do ponto em que nos encontramos em relação às metas de longo prazo.

O ímpeto do momento, testemunhado pelos atores não-estatais durante a Corrida para o Zero (em inglês, “Race to Zero”) em novembro de 2020, e a liderança que alguns países demonstraram – em especial os países de baixa e média renda, os que menos contribuíram mas que mais sofrem com a crise – deve ser apoiada por investimentos públicos e privados. No entanto, os compromissos para aumentar o financiamento público destinado a apoiar os países em desenvolvimento e seus esforços para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas continuam em risco.

Para que a COP26 seja bem-sucedida, são necessárias NDCs mais ambiciosas e estratégias de longo prazo, e uma quantidade significativa de trabalho permanece em discussão. Medidas globais de saúde e segurança determinarão quando os negociadores poderão se encontrar presencialmente de novo. No entanto, a urgência de agir em resposta à emergência climática implica que os países devem usar todos os meios necessários (incluindo usos criativos de ferramentas virtuais) e construir confiança para garantir que o trabalho seja feito. Só assim a COP26 poderá passar a mensagem de que o mundo pode sair melhor da crise e ao mesmo tempo tornar a economia e as pessoas mais resilientes e livres do excesso de emissões de carbono.