3 casos de leis bem intencionadas, mas que dificultaram a restauração em outros países
Este blog foi escrito por Maite Knorr-Evans, Will Anderson, Ruth Nogueron, Tina Schneider e René Zamora Cristales e publicado originalmente no Insights.
Imagine uma proprietária rural da Guatemala que deseja usar bem a sua terra. Ela planta árvores, espera que cresçam. Ela até recebe um subsídio do governo para restaurar sua terra, que era degradada. As árvores removem carbono do ar, ajudam a limpar a água do rio e fornecem habitat para muitas aves nativas. Porém, quando ela resolve cortar uma árvore para usar a madeira, descobre que é ilegal. Uma lei destinada a proteger a qualidade da água proíbe o corte de árvores a 25 metros de um rio. Ela decide abandonar o projeto de restauração para investir em atividades mais lucrativas, como o cultivo de cana-de-açúcar ou a criação de gado.
Embora essa história seja fictícia, situações como essa acontecem o tempo todo pelo mundo. Paradoxalmente, as leis que protegem as florestas também podem impedir sua restauração.
O movimento global para restaurar terras degradadas e desmatadas está ganhando força. Pelo Desafio de Bonn, os países se comprometeram a restaurar mais de 160 milhões de hectares de terras degradadas – uma área maior do que Espanha, França, Alemanha e Itália juntos. Os governos também assinaram iniciativas regionais como a AFR100, na África, e a Iniciativa 20x20, na América Latina.
Os governos precisam do apoio de proprietários de terras e grupos organizados do setor para cumprir as promessas de restauração. Alguns governos estão inovando com programas que incentivam os proprietários a restaurar suas terras cultivando e colhendo madeira e outros produtos florestais. Em muitos casos, o manejo florestal por meio de plantações de madeira de pequena escala em terras restauradas pode ser um investimento de longo prazo para a economia e o meio ambiente. As árvores maduras podem ser seletivamente escolhidas e substituídas para garantir que o carbono e o solo permaneçam no local e gerem uma renda consistente para os proprietários.
Para que esses programas sejam bem-sucedidos, leis e políticas de restauração, proteção florestal e extração de madeira precisam ser criadas e aplicadas após uma ampla análise. Veja três exemplos de incoerência na criação de políticas e na sua execução que comprometeram investimentos em restauração:
1. Leis rígidas que desincentivam a restauração
Nosso exemplo do início do texto está ligado a uma lei guatemalteca aprovada em 1997 que proíbe a extração de madeira a 25 metros dos rios para evitar a erosão do solo e a contaminação da água. Em um olhar rápido, parece uma política favorável às florestas, mas pode ser justamente o contrário caso a área já tenha sido desmatada. Se um proprietário de terras escolhe restaurar a área com árvores, a lei impede que ele ou ela use a madeira, mesmo se a colheita for feita seletivamente, com o objetivo de manter a cobertura das árvores, e novas árvores sejam plantadas para substituir as que foram derrubadas. Nessas condições, o proprietário de terra tem na verdade um incentivo para manter a terra desmatada ou usá-la para cultivar milho ou outras culturas que são menos desejáveis do ponto de vista da qualidade da água, contrariando os objetivos mais amplos da lei.
Nesse caso, a lei criou uma situação lamentável, em que os proprietários não podem plantar árvores sem perder o direito de colher e se beneficiar financeiramente de seu investimento. Essa política poderia, no entanto, ser ajustada para criar dispensas especiais ou incentivos para proprietários de terras que estão reflorestando terras já degradadas.
2. A posse motiva a restauração
Até recentemente, os agricultores de Gana tinham pouco incentivo para reflorestar suas terras. Como em vários países africanos, o estado oficialmente tem a posse de todas as árvores recém-plantadas. Os agricultores não tinham o direito legal de colher as árvores que plantavam – e, portanto, nenhum incentivo para cultivá-las.
Para resolver o problema, a Comissão Florestal do Gana (GFC) e o Ministério da Terra e Recursos Naturais criaram uma base de dados na qual os proprietários podem registar as árvores que plantam, para provar o direito à colheita. O GFC verifica as informações em visitas de campo. A mudança de política ajuda a deixar mais transparentes os direitos de uso da terra e será implementada em todo o país neste ano. Essa é mais uma das pequenas mudanças no código florestal que ajudarão Gana a atingir sua meta junto à AFR100 de restaurar 2 milhões de hectares.
3. O alto custo de cumprir a lei pode desestimular a restauração
Floresta na Costa Rica (foto: Flickr/seliaymiwell)
Outro desincentivo para a restauração é a falta de fiscalização das leis de extração ilegal de madeira, o que cria uma concorrência injusta para os que produzem madeira legal em terras restauradas. Uma análise de 2018 para a teca, uma espécie de árvore costa-riquenha plantada em terras restauradas, revelou que ao longo de um período de 17 anos os proprietários receberam apenas 4% do lucro obtido na cadeia de valor da teca. Como quem colhe a teca ilegalmente não paga os impostos e as taxas que os produtores legais pagam, consegue ter custos de produção e venda mais baixos. Por outro lado, os fornecedores de madeira sustentável lutam para competir, incentivando os proprietários de terra a buscar atalhos na hora de cumprir a regulamentação florestal.
Mais uma vez, o governo poderia desempenhar um papel no incentivo à restauração. Por um lado, podem tornar os produtos florestais cultivados em terras restauradas mais competitivos ao aliviar um pouco a carga da lei sobre esses proprietários de terra, enquanto ainda mantêm regulamentações básicas para proteger as florestas. Muitos governos têm leis que os produtores de madeira devem seguir, mas essas mesmas leis podem impedir que os proprietários de terras dedicados à restauração obtenham lucro.
Para que a restauração funcione para os proprietários rurais, a extração ilegal de madeira não pode existir. Governos devem estar muito atentos à extração ilegal de madeira e aprovar leis rigorosas para limitar essa atividade. A cada ano, até US$ 152 bilhões em receita são perdidos. A restauração pode ajudar a atender à crescente demanda por madeira sem que as florestas sejam devastadas, mas somente se as estruturas legais punirem os produtores ilegais e recompensarem adequadamente os proprietários de terras que revitalizam suas terras.
Criando políticas florestais que possibilitam a restauração
À medida que os países refletem sobre como suas leis e políticas florestais incentivam ou dificultam a restauração, são necessárias mais pesquisas sobre a coordenação de políticas. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) tem trabalhado com a Forest Legality Initiative e a Iniciativa 20x20 para identificar oportunidades. Confira o resumo de um recente painel que discutiu essa questão.
Todos ganham quando as estruturas legais do setor florestal se alinham com as metas de restauração: terras degradadas se tornam produtivas novamente, proprietários de terras podem ganhar dinheiro e os governos coletam mais impostos e royalties das plantações legais de madeira.
Os governos precisam equilibrar as políticas que exigem a gestão legal e sustentável dos recursos florestais com requisitos legais que sejam possíveis de cumprir. Caso contrário, os compromissos de restauração serão difíceis de alcançar, e a extração ilegal poderá continuar a ocupar entre 15% e 30% do total do mercado internacional de madeira.