O Rio Manso é um dos rios que abastece os mais de 6 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Em 2015, uma severa seca de cinco meses em toda a bacia do Rio Manso forçou as autoridades a imporem restrições ao consumo de água tanto em áreas rurais como urbanas. A seca se repetiu em 2018 e, em 2021, o estado experenciou a pior crise hídrica em 91 anos.  

Com o cenário das mudanças climáticas, essas secas devem se tornar ainda mais frequentes. Por isso, a sociedade precisa se preparar e investir em infraestrutura para o abastecimento de água. Nos últimos anos, uma série de estudos vem mostrando que além dos investimentos em infraestrutura convencional, é possível investir na infraestrutura natural, recuperando e conduzindo a natureza para que ela torne os sistemas de água mais eficientes e resilientes.  

Um novo relatório do WRI Brasil trouxe essa abordagem para a capital mineira. Os resultados mostram que, nas duas principais bacias que abastecem a Região Metropolitana de Belo Horizonte, a restauração de 900 hectares de áreas degradas prioritárias geraria benefícios não só para a água que abastece as cidades da região metropolitana, como melhoraria a produtividade para pequenos agricultores no campo.  

Entendendo a infraestrutura natural para Belo Horizonte e região 

O estudo “Infraestrutura Natural para Água na Região Metropolitana de Belo Horizonte” foi produzido por WRI Brasil, Copasa MG e Pró-Mananciais. Ele avalia resultados econômicos da restauração e conservação de florestas em duas bacias que abastecem Belo Horizonte, a Bacia do Rio Manso e a Bacia do Rio das Velhas. 

Para fazer a análise, o estudo considera “Infraestrutura natural” como os investimentos e intervenções em conservação, manejo e restauração da vegetação nativa e de florestas. A análise se concentra na capacidade das florestas em reter sedimentos – como terra ou sujeira. Ao evitar que sedimentos cheguem aos corpos d’água, as florestas beneficiam o sistema hídrico reduzindo a necessidade de produtos químicos no tratamento de água.  

Essa redução pode ser medida e valorada, e foi isso que o estudo fez. O relatório mostra que a restauração de 900 hectares de áreas prioritárias que hoje estão degradadas poderia prevenir uma descarga de sedimentos de 200 toneladas por dia. Isso resultaria em uma redução de 26,5% no uso de produtos químicos para o tratamento de água, gerando uma economia de R$ 2 milhões por ano. 

Estação de Tratamento de Água da Copasa em Minas Gerais
Estação de Tratamento de Água da Copasa em Nova Lima, Minas Gerais (foto: Bruno Figueiredo/ WRI Brasil)

O resultado econômico positivo para Belo Horizonte não é um caso isolado. Este é o quinto estudo produzido ou organizado pelo WRI Brasil avaliando a infraestrutura natural para água em grandes regiões metropolitanas brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, o estudo recomendou a restauração de 4 mil hectares prioritários no Sistema Canteira, resultando em benefícios econômicos de mais de R$ 300 milhões ao longo de 30 anos. Avaliações para os sistemas que abastecem as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Vitória e Campinas encontraram resultados positivos similares. 

Renda para o produtor rural 

O relatório sobre Belo Horizonte também trouxe uma inovação em relação aos estudos anteriores. Além da análise econômica no tratamento de água, os autores aplicaram metodologias de mapeamento de atores sociais e de oportunidades de restauração – como a metodologia ROAM. Essa abordagem ampliada permite entender as condições de vulnerabilidade social, governança e legislação, elementos importantes para garantir o sucesso de iniciativas de infraestrutura natural no território. 

Oficina para aplicação da metodologia ROAM em Minas Gerais
Oficina para aplicação da metodologia ROAM em Minas Gerais (foto: Bruno Figueiredo/ WRI Brasil)

O estudo cruzou as áreas degradadas que, se restauradas, gerariam benefícios para o tratamento da água, com mapas mostrando onde prevalecem comunidades vulneráveis ou áreas de minifúndio – pequenas propriedades rurais com menos de um módulo rural para agricultura familiar. Também avaliou as motivações para que esses produtores restaurem florestas.  

O estudo mostrou que modelos de restauração com fins econômicos e de agroecologia, como os Sistemas Agroflorestais (SAF), atendem às motivações dos produtores locais, melhoram a resiliência e a segurança alimentar das famílias. Segundo o estudo, a implantação de SAFs em áreas degradadas prioritárias pode gerar um incremento de renda de até 28% para os pequenos agricultores, combinando os benefícios ecológicos com a dimensão de aporte de renda e segurança alimentar ao incluir arranjos produtivos à infraestrutura natural. 

Mobilização em prol da restauração 

Para garantir os benefícios da restauração tanto para a água quanto para a geração de renda no campo, é fundamental garantir uma boa governança entre todos os atores envolvidos. É preciso ter coordenação entre governos, agências de desenvolvimento, organizações da sociedade civil e demais atores envolvidos com o tema para que a sociedade consiga prevenir e enfrentar crises hídricas como as enfrentadas recentemente em Minas Gerais.  

A boa notícia é que a sociedade já está se mobilizando em prol da infraestrutura natural no estado. Em 2017, para fazer frente às crises hídricas, a Copasa MG, empresa de saneamento e abastecimento local, criou o programa Pró-Mananciais com o objetivo de proteger e recuperar áreas importantes para o abastecimento. O programa destina parte da tarifa da água para ações de conservação e restauração florestal, e já destinou mais de R$ 76 milhões em ações de infraestrutura natural, mobilização e educação ambiental, entre outras. Parte das áreas prioritárias identificadas no estudo estão nas áreas de atuação do programa, o que mostra uma grande oportunidade de sinergia entre pesquisa e tomada de decisões.