Impacto das mudanças climáticas: 6 descobertas do relatório do IPCC de 2022 sobre adaptação
O novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) traça um cenário preocupante: as mudanças climáticas já afetam todas as partes do mundo, e impactos muito mais severos podem estar nos esperando se não reduzirmos as emissões de gases do efeito estufa pela metade ainda nesta década e não começarmos imediatamente a ampliar as medidas de adaptação.
Na sequência da primeira parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, a contribuição do Grupo de Trabalho II oferece uma análise profunda dos impactos cada vez mais intensos das mudanças no clima e dos riscos futuros, em particular para comunidades marginalizadas e países com poucos recursos. O relatório de 2022 do IPCC também detalha quais as abordagens de adaptação climática são mais efetivas e viáveis, bem como quais são os ecossistemas e grupos de pessoas mais vulneráveis.
A seguir, seis conclusões do relatório:
1. Os impactos climáticos já estão mais severos e generalizados do que se esperava.
As mudanças climáticas já estão causando perturbações generalizadas em toda as partes do mundo com o aquecimento atual de 1,1°C.
Secas devastadoras, calor extremo e inundações recordes já ameaçam a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas. Desde 2008, inundações e tempestades catastróficas forçaram mais de 20 milhões de pessoas por ano a deixarem suas casas.
Hoje, metade da população mundial enfrenta insegurança hídrica em pelo menos um mês a cada ano. Incêndios florestais estão queimando áreas mais extensas do que antes em muitas regiões, levando a mudanças irreversíveis na paisagem. As temperaturas mais altas também facilitam a propagação de doenças transmitidas por vetores, como o vírus do Nilo Ocidental, a doença de Lyme e a malária, bem como doenças transmitidas pela água, como a cólera.
As mudanças climáticas também estão afetando espécies e ecossistemas inteiros. Animais como o sapo dourado e o melomys de Bramble Cay (um pequeno roedor) foram extintos pelo aquecimento global. Outras espécies, como a raposa voadora, as aves marinhas e os corais, estão morrendo em massa, enquanto outros milhares migraram para latitudes e altitudes mais altas.
2. Estamos fadados a sofrer impactos climáticos ainda piores em curto prazo.
Mesmo se o mundo passar por um rápido processo de descarbonização, os gases de efeito estufa que já estão na atmosfera e as atuais tendências de emissões ainda terão impactos climáticos inevitáveis significativos até 2040. O IPCC estima que, apenas ao longo da próxima década, as mudanças climáticas vão colocar entre 32 milhões e 132 milhões de pessoas na pobreza extrema. O aquecimento global colocará em risco a segurança alimentar e aumentará a incidência de doenças cardíacas, dificuldades com a saúde mental e de mortes relacionadas ao calor.
Em um cenário de altas emissões, por exemplo, os riscos também mais altos de inundações podem levar a um adicional de 48 mil mortes de crianças de até 15 anos em decorrência de diarreia em 2030. Espécies e ecossistemas passarão por mudanças dramáticas, como as áreas de mangue se tornando incapazes de conter o aumento do nível do mar, declínio das espécies dependentes do gelo marinho e mortes de árvores em larga escala.
3. Os riscos vão aumentar rapidamente com as temperaturas mais altas, com frequência gerando impactos climáticos irreversíveis.
O relatório mostra que cada décimo de grau de aquecimento aumenta as ameaças às pessoas, espécies e ecossistemas. Mesmo o limite de 1,5°C – uma meta global do Acordo de Paris – não é seguro para todos.
Por exemplo, com 1,5°C de aquecimento, muitas geleiras em todo o mundo vão desaparecer por completo ou perder a maior parte de sua massa; um adicional de 350 milhões de pessoas enfrentarão escassez de água até 2030; e até 14% das espécies terrestres estarão em risco de extinção.
De forma semelhante, se o aquecimento passar de 1,5°C, mesmo que temporariamente, efeitos muito mais severos e até irreversíveis vão acontecer, como tempestades mais fortes, secas e ondas de calor mais longas, níveis mais extremos de chuva, o rápido aumento do nível do mar, perda de gelo no mar Ártico e das camadas de gelo, derretimento do permafrost, entre outros. Ultrapassar o limite de 1,5°C também aumenta a probabilidade de eventos de alto impacto, como a morte massiva de florestas, o que transformaria sumidouros essenciais de carbono em fontes de emissão carbono.
O IPCC prevê que esses riscos se misturem uns aos outros à medida que diversas catástrofes ocorrerem ao mesmo tempo e nas mesmas áreas. Em regiões tropicais, por exemplo, os efeitos combinados do calor e da seca podem desencadear perdas repentinas e significativas nos rendimentos agrícolas. Ao mesmo tempo, a mortalidade relacionada ao calor aumentará ao passo que a produtividade diminuirá, de forma que as pessoas não estarão aptas a trabalhar mais para superar as perdas causadas pela seca. Juntos, esses impactos vão diminuir a renda das famílias ao mesmo tempo em que aumentam os preços dos alimentos – uma combinação devastadora que afeta a segurança alimentar e intensifica riscos de saúde como a desnutrição.
4. Desigualdade, conflitos e desafios de desenvolvimento aumentam a vulnerabilidade aos riscos climáticos.
Atualmente, 3,3 bilhões de pessoas vivem em países altamente vulneráveis aos impactos climáticos, com hotspots globais concentrados nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, Ártico, Sul da Ásia, América Central, América do Sul e em grande parte da África Subsaariana.
Desigualdade, conflitos e desafios de desenvolvimento como a pobreza, governança ineficiente e acesso limitado a serviços básicos, como saúde, não apenas aumentam a exposição aos perigos como restringem a habilidade das comunidades de se adaptar às mudanças climáticas. Em nações altamente vulneráveis, por exemplo, a mortalidade em decorrência de secas, tempestades e inundações entre 2010 e 2020 foi 15 vezes maior do que em países de baixa vulnerabilidade.
A exposição aos impactos climáticos subiu drasticamente nas cidades desde a publicação do Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, em 2014. Os aumentos mais rápidos na vulnerabilidade urbana se deram em assentamentos informais, nos quais condições precárias de habitação, acesso inadequado a serviços básicos e recursos limitados impedem esforços de resiliência. O desafio é especialmente acentuado na África Subsaariana, onde 60% da população urbana mora nesses assentamentos, e na Ásia, com 529 milhões de pessoas vivendo nas mesmas condições.
Muitas comunidades rurais também enfrentam riscos climáticos crescentes, em particular povos indígenas e as pessoas cujos meios de subsistência dependem de setores diretamente expostos aos riscos, como agricultura, pesca e turismo. À medida que os impactos climáticos se tornarem mais intensos, algumas famílias podem não ter outra escolha a não ser migrar para os centros urbanos. O IPCC prevê que, até 2030, secas extremas na região amazônica vão impulsionar a migração para as cidades, onde povos indígenas e comunidades tradicionais tendem a ser forçados a viver à margem.
Esses padrões de desenvolvimento urbano e rural não apenas moldam experiências desiguais aos riscos climáticos, mas também tornam os próprios ecossistemas mais vulneráveis. Mudanças no uso da terra, fragmentação de habitats, poluição e exploração de espécies estão enfraquecendo a resiliência ecológica. E a perda de ecossistemas, por sua vez, amplia a vulnerabilidade das pessoas.
Cidades que se expandem por zonas úmidas costeiras, por exemplo, promovem a degradação de ecossistemas que, de outra forma, ajudariam a proteger os bairros próximos a essas áreas da elevação do nível do mar, de tempestades e de inundações. Essas ameaças podem ter efeitos misturados e em cascata na saúde, na segurança alimentar, no acesso à agua potável e nos meios de subsistência dos moradores, o que os torna ainda mais vulneráveis a riscos futuros.
Restauração de mangues em Phuket, na Tailândia. A restauração dos mangues é uma medida de adaptação baseada no ecossistema que pode reduzir os riscos climáticos ao mesmo tempo em que promove cobenefícios para os meios de subsistência, para a saúde humana e para o próprio ecossistema. (Foto: normalfx/iStock)
5. A adaptação é essencial. Soluções viáveis já existem, mas mais apoio precisa chegar às comunidades vulneráveis.
As políticas climáticas de pelo menos 170 países agora incluem a adaptação, mas muitos deles ainda precisam passar do planejamento para a implementação. O IPCC mostra que os esforços atuais ainda são, em grande parte, incrementais, reativos e de pequena escala, com a maioria focada apenas nos impactos atuais ou nos riscos de curto prazo. A lacuna entre os níveis de adaptação atuais e os necessários persiste, devido em grande parte ao apoio financeiro limitado. O IPCC estima que a adaptação necessária apenas nos países em desenvolvimento vai chegar a US$ 127 bilhões até 2030 e a US$ 295 bilhões até 2050. No momento, a adaptação representa apenas entre 4% e 8% do financiamento climático mensurado, que totalizou US$ 579 bilhões entre 2017 e 2018.
A boa notícia é que alternativas já existentes de adaptação podem reduzir os riscos climáticos se obtiverem recursos suficientes e forem implementadas mais rápido. O relatório do IPCC de 2022 inova ao analisar a viabilidade, eficácia e potencial de diversas medidas de adaptação de gerar cobenefícios, como melhores resultados de saúde ou redução da pobreza.
Três abordagens de adaptação avaliadas são:
Programas sociais que promovem equidade e justiça: reconfigurar programas de assistência social (como transferências de renda, programas de obras públicas e redes de segurança social) para que incluam adaptação climática pode diminuir a vulnerabilidade de comunidades urbanas e rurais a uma série de riscos. Essas medidas são especialmente eficazes quando combinadas com esforços para melhorar o acesso à infraestrutura e serviços básicos, como água potável, saneamento e saúde. Parcerias entre governos, organizações da sociedade civil e o setor privado – bem como processos de tomada de decisão inclusivos e conduzidos localmente – podem ajudar a garantir que a prestação desses serviços melhore a resiliência climática das comunidades vulneráveis.
Adaptação baseada no ecossistema: essa abordagem envolve um amplo leque de estratégias, desde a proteção, restauração e manejo sustentável de ecossistemas até práticas agrícolas mais sustentáveis, como a inclusão de árvores nas fazendas, a diversificação das culturas e o plantio de árvores nas áreas de pastagem. Medidas de adaptação baseadas nos ecossistemas podem reduzir os riscos climáticos que muitas pessoas já enfrentam – incluindo secas, calor extremo, inundações e incêndios – e, ao mesmo tempo, oferecer cobenefícios para a biodiversidade, para os meios de subsistência, para a saúde e para a segurança alimentar, além de ajudar no sequestro de carbono. A colaboração com os povos indígenas e comunidades locais é fundamental para o sucesso dessas medidas, assim como a garantia de que sejam projetadas considerando os impactos que o aquecimento global futuro terá nos ecossistemas.
Novas tecnologias e infraestrutura: evidências emergentes sugerem que combinar soluções baseadas na natureza com alternativas envolvendo engenharia, como canais para controle de inundações, pode ajudar a reduzir os riscos costeiros e relacionados à água, principalmente nas cidades. O acesso a tecnologias melhores, como variedades de culturas mais resilientes, aprimoramentos na criação de gado ou energia solar e eólica, também pode ajudar a fortalecer a resiliência. Algumas dessas respostas de adaptação, no entanto, podem ser prejudiciais se forem mal projetadas ou implementadas de forma inadequada. Expandir os sistemas de irrigação, por exemplo, pode combater riscos climáticos de curto prazo, mas também pode drenar as reservas de água subterrânea já escassas.
6. Mas alguns impactos das mudanças climáticas já são severos demais para pensar em adaptação. O mundo precisa agir com urgência para lidar com as perdas e danos.
Com o aquecimento de 1,1°C que o mundo já vive, algumas populações e ecossistemas altamente vulneráveis começam a chegar ao limite daquilo a que podem se adaptar. Em algumas regiões, esse limite é “suave” – medidas efetivas de adaptação existem, mas determinadas dificuldades políticas, econômicas e sociais entravam a implementação, como o acesso limitado a financiamento. Em outras, porém, pessoas e ecossistemas já enfrentam ou estão perto de chegar a limites mais “duros” para adaptação, em áreas onde os impactos climáticos já são tão severos que nenhuma medida de adaptação existente pode prevenir as perdas e danos. Por exemplo, algumas comunidades costeiras de regiões tropicais perderam ecossistemas inteiros de recifes de corais que ajudavam a manter sua segurança alimentar e meios de subsistência. Outras tiveram que abandonar áreas mais baixas e espaços culturais com o aumento do nível do mar.
Independentemente de enfrentar limites duros ou mais suaves, o resultado para essas comunidades é devastador e com frequência irreversível. As perdas e danos só vão aumentar à medida que as temperaturas subirem. Se o mundo aquecer para além de 1,5°C, por exemplo, comunidades que dependem do derretimento do gelo e das geleiras vão enfrentar uma escassez de água à qual não poderão se adaptar. A um aquecimento de 2°C, o risco de falhas simultâneas na produção de milho nas principais regiões de cultivo aumentará de forma significativa. E, acima de 3°C, o calor do verão em algumas áreas do sul da Europa será perigosamente alto.
A janela de oportunidades para a ação climática está fechando rápido
A ciência não deixa margem para dúvidas: as mudanças climáticas colocam em perigo o bem-estar das pessoas e do planeta. Agir com atraso é um risco de deixar que aconteçam impactos tão catastróficos que tornarão nosso mundo irreconhecível.
Os próximos poucos anos ainda oferecem uma janela estreita para um futuro sustentável e habitável para todos. Mudar o rumo exige esforços imediatos, ambiciosos e coordenados para reduzir emissões, construir resiliência, conservar os ecossistemas e aumentar drasticamente o financiamento para adaptação e perdas e danos.
A COP27, que será realizada no Egito em novembro de 2022, é uma oportunidade crucial para os governos avançarem nessas frentes e para os países desenvolvidos demonstrarem solidariedade com as nações vulneráveis.
Enfrentar a crise climática não vai ser fácil. Os governos, a sociedade civil e o setor privado devem todos se comprometer. Como o relatório do IPCC deixa claro, não há outra opção.
Artigo publicado originalmente no WRI Insights.