Como Londres usa taxas pelo uso das vias para combater a poluição do ar e a desigualdade
Há meio século, uma névoa letal de fumaça e neblina, também conhecida como o Grande Nevoeiro de 1952, cobriu Londres e matou pelo menos 12 mil pessoas. Mais recentemente, em 2013, Ella Adoo-Kissi-Debrah morreu em decorrência da poluição do ar. “[Ella] foi a primeira pessoa no mundo a ter a poluição do ar apontada como a causa de sua morte”, diz Anjali Raman-Middleton, de 17 anos, cofundadora da organização Choked Up e amiga de Ella. Mas o ar tóxico de Londres, um problema de longa data associado a 9 mil mortes prematuras por ano, é mais do que uma questão ambiental e de saúde pública.
“É também uma questão de justiça social”, afirmou ao WRI o prefeito de Londres, Sadiq Khan, “com os londrinos mais pobres vivendo nas áreas mais afetadas pela toxicidade do ar”.
Os habitantes de renda mais baixa em Londres, que na maioria não são brancos, são expostos a níveis de poluição equivalentes a fumar 150 cigarros por ano, de acordo com a British Heart Foundation. Essas pessoas não estão sozinhas encarando a poluição do ar em seu dia a dia. Elas pertencem aos 90% da população mundial exposta ao ar poluído, que causa em torno de 7 milhões de mortes prematuras por ano em decorrência de acidentes vasculares cerebrais, cânceres de pulmão, doenças cardíacas e doenças respiratórias crônicas e agudas.
A maior parte da poluição atmosférica em Londres vem do transporte rodoviário, incluindo carros, ônibus e táxis. Quando esses veículos queimam combustíveis fósseis, liberam poluentes tóxicos e gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono.
Ao longo das últimas duas décadas, os prefeitos de Londres trabalharam de forma contínua para reverter a trajetória de poluição na cidade. Recentemente, o prefeito Sadiq Khan, eleito em 2016, pressionou pela implementação de algumas das políticas mais ambiciosas para reduzir a poluição do ar na capital inglesa. A medida mais recente, a “Zona de Ultrabaixa Emissão” (ULEZ, na sigla em inglês) foi uma das finalistas da edição 2020-2021 do Prize for Cities, que destacou abordagens inovadoras para combater as mudanças climáticas e a desigualdade urbana ao mesmo tempo. Atualmente cobrindo todo o centro de Londres, a ULEZ exige que os motoristas atendam a padrões rígidos de emissões veiculares ou paguem uma tarifa diária, um incentivo para que moradores e empresas substituam veículos altamente poluentes por meios de transporte mais limpos.
O prefeito Sadiq Khan pressionou de forma consistente por uma implementação rápida e pela expansão da ULEZ a fim de reduzir os perigosos níveis de poluição atmosférica em Londres (Foto: Greater London Authority)
Salvando vidas com ar mais limpo
A ULEZ integra uma agenda mais ampla para tornar Londres um lugar mais equitativo para viver e, ao mesmo tempo, combater a emergência climática. Lançada em 2019, a ULEZ é o ápice de quase duas décadas de políticas ambiciosas focadas em taxar a poluição do ar e reduzir os congestionamentos.
Trabalhando em conjunto com outras políticas, a ULEZ estabelece padrões rígidos de emissão de gases de efeito estufa que os veículos devem atender para poder circular. Os veículos que excedem os padrões de emissão da ULEZ pagam entre £ 12,50 e £ 100 (de US$ 17,50 a US$ 140) para dirigir na área de 21 quilômetros quadrados que cobre o centro de Londres. Um sistema de câmeras garante que os veículos sejam cobrados corretamente. Em outubro de 2021, a ULEZ expandiu a área de abrangência para as principais vias circulares da cidade, alcançando uma área de 360 quilômetros quadrados.
As fronteiras da ULEZ no centro de Londres são bem demarcadas, assegurando que todos os pedestres, ciclistas e motoristas estejam cientes de que estão entrando na Zona de Ultrabaixa Emissão (Foto: WRI Ross Center for Sustainable Cities)
Essencial para a execução da ULEZ foi o caráter gradual e complementar das políticas implementadas por administrações anteriores. Embora originalmente focadas exclusivamente em reduzir os congestionamentos, as taxas foram ampliadas de forma gradativa para incorporar medidas de redução de emissões para veículos grandes e, em seguida, para todos os veículos, com padrões cada vez mais rígidos.
Fora do centro de Londres, o fechamento de ruas para os carros incentiva a caminhada e o uso da bicicleta enquanto reduz a poluição do ar local (Foto: WRI Ross Center for Sustainable Cities)
Além de complementar políticas anteriores, a ULEZ também integra um pacote mais abrangente de medidas de mobilidade limpa em Londres. Essas medidas incluem modernização da frota de ônibus públicos, eletrificação de táxis, construção de infraestrutura para bicicletas e fechamento de ruas nos horários de deixar e buscar as crianças nas escolas. Como resultado, os 3,2 milhões de moradores da área central de Londres são beneficiados por um ar mais limpo, frotas de veículos de alta qualidade e melhor infraestrutura para transporte não motorizado. O número de escolas expostas a níveis não seguros de poluição caiu de 455 em 2016 para 14 em 2019, e os espaços protegidos para pedalar quase triplicaram. Um estudo realizado 10 meses após a introdução da ULEZ constatou que 49% menos veículos poluentes dirigiam ao centro de Londres todos os dias – o equivalente a 44.100 veículos. Em paralelo, as emissões de CO2 do transporte rodoviário caíram 6% e as concentrações de NO2, 44%.
A Transport for London (TfL), o órgão do governo local responsável pela rede de transporte de Londres, estima que as políticas adotadas na cidade, incluindo a ULEZ, ajudarão a evitar 1,2 milhão de novas internações hospitalares relacionadas à poluição do ar até 2050 – economizando ao Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido e aos sistemas de assistência social £ 5 bilhões (US$ 7 bilhões) e reduzindo o custo econômico anual de US$ 4,6 bilhões representado pela poluição do ar no Reino Unido.
Ninguém fica para trás
Uma vez que as pessoas e os bairros de renda mais baixa são os mais impactados pelo ar tóxico em Londres, a ULEZ e os pacotes de políticas a ela relacionados garantem que os benefícios com a melhora da qualidade do ar sejam distribuídos de forma justa pela cidade, principalmente nos bairros que dependem mais do transporte coletivo e ficam mais próximos a vias arteriais. Como resultado, estima-se que essas políticas e a ULEZ reduzam a disparidade na exposição à poluição do ar entre os bairros mais e menos poluídos em 85% até 2030.
John Lowe, médico e pai residente em Londres, explicou ao WRI que, “como pai, [a ULEZ] é muito importante, porque meus filhos vão a uma escola próxima a uma via principal movimentada, então eu ficava particularmente atento a isso. E, também como médico, sei que as crianças são mais vulneráveis aos efeitos da poluição”.
A receita gerada pela ULEZ e outras políticas também ajudou a Greater London Authority a investir US$ 105 milhões em adaptar ou comprar novos ônibus públicos – os quais agora atendem aos padrões da ULEZ –, fazendo de Londres a cidade com a maior frota de ônibus elétricos da Europa. Na escala das comunidades, o Fundo do Prefeito para a Qualidade do Ar, de US$ 30 milhões apoia projetos conduzidos por bairros, incluindo ruas de baixa emissão e a ampliação de redes cicloviárias.
Um aspecto importante da implementação da ULEZ e das políticas que a antecederam foram as medidas para facilitar a adaptação a padrões de emissões mais rígidos. A Greater London Authority realizou uma série de Avaliações de Impacto Integrado e extensas reuniões com as partes interessadas, workshops, grupos focais e consultas públicas. Esse trabalho influenciou a criação de um fundo de US$ 60 milhões para ajudar determinados grupos – incluindo pequenas empresas, moradores de baixa renda e pessoas com deficiência – a substituir veículos que não atendiam aos padrões.
Um ponto de inflexão para a ação coletiva
Hoje, a ULEZ tem altos índices tanto de aceitação pública quanto de comprometimento político, o que contribui para seu sucesso expressivo. Mas esse nível de comprometimento público nem sempre existiu. A opinião pública só mudou depois da implementação do primeiro esquema de taxação de congestionamentos em 2003, o que aconteceu quase meio século depois do Grande Nevoeiro de 1952.
O lançamento da ULEZ foi acompanhado por amplas campanhas de comunicação pública, essenciais para seu sucesso. “Essas [campanhas] realmente ajudam a mudar a opinião das pessoas”, disse Shirley Rodrigues, vice-prefeita de Meio Ambiente e Energia.
A ULEZ e suas políticas predecessoras ressaltam a importância das abordagens lideradas pelo governo que trabalham em conjunto com a comunidade científica e as partes interessadas nos locais. Com esse trabalho conjunto, desenvolvem uma forte base de evidências e aumentam a conscientização e o entendimento das pessoas. Além disso, funcionários dedicados e qualificados têm sido a chave para manter uma visão participativa de longo prazo à medida que mudam as administrações municipais.
“Aprendemos que é preciso garantir que os benefícios de saúde e econômicos sejam bem compreendidos pelas pessoas, que você tenha os incentivos e desincentivos adequados e que ofereça alternativas às pessoas”, acrescentou Rodrigues. “Para nós, por exemplo, foi um sistema de transporte público, mas também caminhada e bicicleta”.
Desigualdade urbana e mudanças climáticas são questões com frequência difíceis de serem tratadas apenas pelas cidades, mas a ULEZ e as políticas a ela relacionadas mostram que é possível agir de forma efetiva em relação a desafios de relevância global também em escala local. A meta de Londres é que, até 2041, 80% de todas as viagens na cidade sejam feitas a pé, de bicicleta ou de transporte público. Hoje, a cidade está se aproximando da visão de se tornar um lugar mais limpo, saudável e justo para viver.
A edição de 2020-2021 do Prize for Cities celebra abordagens inovadoras para combater as mudanças climáticas e a desigualdade urbana ao mesmo tempo, mostrando como viver e prosperar em um mundo em constante processo de mudança. De cinco finalistas, o projeto Produção Sustentável de Alimentos para uma Rosário Resiliente, uma iniciativa da cidade de Rosário, na Argentina, foi anunciado como o grande vencedor no dia 29 de junho de 2021.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.