A conservação da integridade da Amazônia é crítica para mitigar duas crises planetárias: as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade que ameaça diferentes formas de vida. O Brasil detém 60% do bioma amazônico e sua conservação depende do modelo de desenvolvimento econômico regional que irá predominar nos próximos 20 anos. 

O modelo econômico atual da região é fortemente dependente da exploração dos recursos naturais. Mudanças no uso do solo representam quase metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil – cerca de 80% desse valor é resultado do desmatamento na Amazônia.  

A bioeconomia tem emergido como uma solução para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, pela capacidade de promover uma transição justa para modelos econômicos de baixo carbono e contribuir para conservar sua biodiversidade única. No entanto, é preciso qualificar o que se entende por bioeconomia, para que a abordagem não fortaleça ainda mais alguns vetores de desmatamento e concentração de riqueza e renda na região. A produção de matérias-primas, ainda que de natureza renovável, pode gerar efeitos negativos sobretudo quanto à conversão de novas áreas de floresta.

Por isso, o WRI Brasil elaborou o working paper “Uma bioeconomia inovadora para a Amazônia: conceitos, limites e tendências para uma definição apropriada ao bioma floresta tropical”. O trabalho busca comparar o que se tem entendido por bioeconomia no Brasil, as diferentes conotações, limitações e tendências quando aplicadas à Amazônia Legal brasileira. Aponta também as necessidades específicas da bioeconomia para o bioma floresta tropical, quando se tem como objetivo salvaguardar e valorizar a diversidade biológica, cultural e social.

Neste artigo, reunimos as principais descobertas do estudo, o primeiro produto da Nova Economia da Amazônia Brasileira (NEA-BR). A iniciativa NEA-BR está sendo desenvolvida por WRI Brasil, The New Climate Economy e mais de 50 pesquisadores brasileiros de organizações parceiras, entre elas a Universidade Federal do Pará (Ufpa), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Center for Climate Crime Analysis (CCCA), Concertação pela Amazônia e Instituto Contas Abertas.

O objetivo da NEA-BR é oferecer caminhos baseados em pesquisa para ajudar a acelerar e dar escala à transição para uma economia de baixo carbono livre de desmatamento, mais justa e competitiva na região amazônica.

Os conceitos de bioeconomia presentes na literatura

Uma comparação entre as definições adotadas no Brasil e no exterior por diferentes setores e regiões revela como a palavra bioeconomia pode às vezes significar ideias bastante distintas – como uma monocultura em um caso ou o manejo sustentável de florestas nativas em outro.

No estudo, as abordagens de bioeconomia presentes na literatura atual foram resumidas em três tipos:

  • Bioeconomia Biotecnológica: O crescimento econômico e a geração de empregos se sobrepõem aos critérios de sustentabilidade. Pressupõe a incorporação de tecnologias intensivas em ciência no processo de produção gera maior eficiência ambiental.

  • Bioeconomia de bioerrecursos: busca maior equilíbrio entre crescimento e sustentabilidade dos produtos e processos, porém com a produtividade e eficiência prevalecendo sobre a conservação da integridade dos ecossistemas em que a atividade econômica acontece. Propõe o aumento de produtividade e intensificação do uso do solo, o que pode aumentar a pressão sobre os recursos naturais.

  • Bioeconomia Bioecológica: o critério de sustentabilidade se sobrepõe ao de crescimento unilateral da economia. Privilegia a promoção da biodiversidade, conservação dos ecossistemas, habilidade de prover serviços ecossistêmicos e prevenção da degradação do solo. Os vetores de inovação, ganhos de produtividade e redução de custos são práticas orgânicas e ecológicas, com pesquisa e inovação voltadas para soluções locais, baseadas em diversidade, reuso de matéria e energia, redução de insumos agroquímicos e fontes de energia externas ao sistema.

As definições de bioeconomia no Brasil e no mundo

Bioeconomia é um termo que está ganhando popularidade, mas ainda cheio de ambiguidades, com definições diferentes dependendo da região e do contexto em que é aplicado. Mesmo no Brasil, significa coisas distintas para diferentes instituições públicas e setores econômicos.

Globalmente, especialmente em países industrializados, as definições de bioeconomia e usos do conceito estão mais ligados à Bioeconomia Biotecnológica ou de Biorrecursos. Instituições como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e União Europeia (UE), por exemplo, priorizam a mitigação de emissões de gases de efeito estufa e a transição energética. Nesta interpretação a tecnologia tem papel central, com menos enfoque no objetivo de valorizar ou conservar a biodiversidade – o "bio", neste caso, se refere a "biológico" e não a "biodiversidade".  

Nos Estados Unidos da América (EUA), houve debate similar e a elaboração de uma estratégia nacional em bioeconomia em 2012, definida de forma geral como “atividades econômicas impulsionadas pelo uso de pesquisa e inovação nas ciências biológicas”. Essa definição sugere uma bioeconomia ligada à descoberta de novos medicamentos, variedades agrícolas de elevada produtividade, biocombustíveis para redução da dependência de petróleo e produtos da chamada química verde – muito centrada na tecnologia, mas combinada a elementos de biorrecursos.

No Brasil, o termo tem sido utilizado recentemente por diferentes ministérios, assim como entidades de classe e movimentos sociais. O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por exemplo, lançou um plano em 2018 voltado para inovação e uso sustentável dos recursos da diversidade biológica no país. O documento contempla todo o território nacional e apesar do componente forte de tecnologia, menciona o uso sustentável da diversidade biológica do país, combinando elementos dos três tipos de bioeconomia.

O Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária (Mapa) executa desde 2019 o programa Bioeconomia Brasil - Sociobiodiversidade, voltado para ampliar a participação dos pequenos agricultores, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais e seus empreendimentos nos arranjos produtivos e econômicos que envolvam o campo da bioeconomia. Essa abordagem é mais alinhada à bioeconomia bioecológica e a conservação da biodiversidade é prioritária em relação às mudanças climáticas. Entretanto, recebe um percentual baixíssimo de investimento comparado a outras atividades ligadas aos outros tipos de bioeconomia, como biocombustíveis.

Já o Ministério de Relações Exteriores (MRE) tem liderado a Plataforma Biofuturo, fortemente voltada à bioenergia. Tal definição se associa fortemente ao paradigma dos biorrecursos, ao cultivo e processamento de biomassa para geração de energia renovável e outros produtos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, segue um entendimento similar ao dos EUA, que entende a bioeconomia como uma oportunidade para desenvolver uma nova indústria que se apropria das soluções desenvolvidas pela natureza para a produção de combustíveis, commodities químicas e moléculas de alto valor agregado, com aproveitamento tanto de recursos madeireiros quanto não-madeireiros.

Quando aplicados à Amazônia, no entanto, nem todas as definições de bioeconomia em uso no Brasil são capazes de promover o desenvolvimento econômico da Amazônia Legal e ao mesmo tempo garantir a conservação da floresta e seus rios. Também nem todas as bioeconomias incluem soluções para problemas sociais crônicos da região, ou a valorização do conhecimento tradicional e local sobre a biodiversidade amazônica.   

Movimentos sociais e populares na Amazônia como Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) demonstram preocupação que tais propostas substituam a floresta nativa por monocultivo de variedades geneticamente uniformes e resultem em desterritorializações ou desrespeito aos modos de vida das populações tradicionais.

Premissas para uma bioeconomia adequada à Amazônia brasileira

Em regiões de alta diversidade social e biológica como a Amazônia, a bioeconomia deve gerar valor agregado para a economia regional a partir da floresta em pé, dos rios fluindo e da valorização do conhecimento e dos modos de vida das populações tradicionais. Isso deve ser uma prioridade para tomadores de decisão, produtores ou investidores que desejam investir em bioeconomia na Amazônia.  

No estudo, mostramos que para definir o melhor modelo de bioeconomia a receber investimento na Amazônia, é necessário analisar o paradigma produtivo e reprodutivo das atividades (jeito de fazer) e seu impacto econômico, ecológico, social e cultural a curto e longo prazo – não apenas o potencial econômico dos produtos da bioeconomia.  

Por isso, entre os conceitos presentes na literatura, o de bioeconomia bioecológica é o mais apropriado para uma floresta tropical e deve ser priorizado na Amazônia. Esse conceito tem como premissa a conservação integral do bioma, entendido como um sistema vivo, diverso e livre de desmatamento.

A visão de bioeconomia da NEA-BR, detalhada no estudo, propõe além da integridade dos ecossistemas (conservação e restauração de áreas degradadas), a valorização dos conhecimentos locais e transgeracionais, com distribuição justa dos benefícios. Ciência e inovações tecnológicas somados a assistência técnica podem impulsionar esse ativo único da população local. Além disso, o ordenamento territorial, no caso da Amazônia, é um pré-requisito, assim como o combate a ilegalidades.

Nesse sentido, as possibilidades de diversificação econômica devem se pautar na diversidade dos recursos existentes, e não em sua homogeneização. Isso não significa que em áreas de atividades rurais consolidadas, outras abordagens como a bioeconomia de bioerrecursos não possa ser aplicada ou gerar benefícios.

Entre as atividades econômicas estratégicas para uma bioeconomia na Amazônia estão o desenvolvimento rural agroecológico ou agroflorestal materializado em sistemas agroflorestais (SAFs), a exploração sustentável de produtos florestais não-madeireiros com agregação de valor, a prospecção, descoberta e valorização de ativos farmacêuticos com repartição de benefícios em conformidade com o Protocolo de Nagoya, ecoturismo sustentável e outras modalidades não-invasivas e coexistentes com as dinâmicas florestais. 

Novo paradigma para a maior floresta tropical do mundo

Já existem processos produtivos relevantes e adequados a esse modelo de bioeconomia conduzidos pelas próprias comunidades, com apoio de parceiros públicos e privados. Casos de sucesso como o da pimenta Baniwa, artigo culinário de luxo produzido por associações indígenas de base comunitária, no Amazonas, e o trabalho cooperativo da Cooperacre com castanhas, frutas e látex, no Acre, mostram o potencial da bioeconomia para a região.

Esses processos alimentam a economia local, nacional e internacional com produtos agrícolas, florestais, super alimentos e experiências culturais com fortes raízes nas formas tradicionais de organização comunitária. Tudo isso garantindo a conservação integral da biodiversidade onde atuam.

Estimular a organização social de maneira inovadora é um elemento fundamental para a consolidação de uma bioeconomia amazônica. Requer conhecimentos e ferramentas variadas e multidisciplinares para planejar e gerenciar empresas, associações e cooperativas de produtos florestais. 

A Amazônia é única. Um novo paradigma econômico para a maior floresta tropical do planeta também deve ser. Tomadores de decisão e investidores interessados em impulsionar a bioeconomia na Amazônia devem buscar soluções que coloquem a integridade do bioma, incluindo sua sociobiodiversidade, como objeto central e não secundário de suas atividades.

 


Sobre a NEA-BR

A Nova Economia da Amazônia Brasileira (NEA-BR) é uma iniciativa desenvolvida pelo WRI Brasil, The New Climate Economy e mais de 50 pesquisadores brasileiros de organizações parceiras, entre elas a Universidade Federal do Pará (Ufpa), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Center for Climate Crime Analysis (CCCA), Concertação pela Amazônia e Instituto Contas Abertas.

A iniciativa conta com o apoio financeiro do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza, Segurança Nuclear e Proteção do Consumidor da Alemanha, Governo da Dinamarca e Instituto Arapyaú.